Os aumentos consideráveis dos preços mundiais dos cereais e as tensões políticas que vêm ocorrendo na península do sudeste asiático, combinados com péssimas colheitas estão provocando um agravamento da penúria de alimentos que já existia na República Popular Democrática da Coréia (RPDC), conforme o diagnóstico apresentado pelas organizações humanitárias em Seul. O Programa Alimentar Mundial (PAM), por sua vez, teme que uma nova "tragédia alimentar" venha a ocorrer caso "uma assistência externa de emergência" não for implantada.
Segundo a Good Friends, uma organização sul-coreana de inspiração budista, o regime da RPDC suspendeu a distribuição de rações alimentícias para a população de Pyongyang. Uma vez que os dois milhões de habitantes da capital eram considerados como "privilegiados", esta decisão - que por enquanto não foi confirmada oficialmente - permite pensar que a situação é de fato alarmante.
No final de março, o preço do quilo de arroz na capital havia aumentado em 42% no espaço de um mês, o que é um recorde. Os preços dos gêneros alimentícios no seu conjunto praticamente duplicaram no período de um ano. "Daqui para frente, é preciso desembolsar um terço de um salário médio mensal para comprar arroz, numa quantidade suficiente para alguns dias", comenta Jean-Pierre de Margerie, um responsável do Programa Alimentar Mundial que atua na RPDC, contatado por telefone em Pyongyang.
São vários os fatores que contribuem para a deterioração da situação alimentar neste país, que sempre esteve precária desde a onda de fome de meados dos anos 1990 (um milhão de mortos para uma população total de 23 milhões). A RPDC enfrenta um déficit crônico de alimentos de cerca de 1 milhão de toneladas por ano, em relação aos 6,5 milhões de toneladas necessárias para alimentar a sua população. Já faz mais de uma década, a RPDC depende amplamente da ajuda internacional. Em razão das inundações que ocorreram em setembro e outubro de 2007, a colheita de cereais do ano passado mal conseguiu alcançar os 3 milhões de toneladas, o que representou um déficit de 1,6 milhão de toneladas.
A esta queda da produção devem ser acrescentados os fatores políticos adversos. Sob a presidência de Lee Myong-bak, a Coréia do Sul adotou uma atitude mais firme em relação a Pyongyang, e tarda a encaminhar a sua ajuda alimentar anual (de 300.000 a 500.000 toneladas) que, nos anos anteriores, havia permitido que a sua vizinha do norte conseguisse superar as dificuldades dos longos períodos de inverno, além da "fome da primavera", que ocorre quando as reservas estão esgotadas. Ao travar esta queda de braço, Seul se esconde por trás da inexistência de qualquer pedido de ajuda por parte de Pyongyang para justificar suas delongas, enquanto a RPDC anunciou que estava rompendo o diálogo com Seul.
Restrições chinesas
A assistência internacional que o Programa Alimentar Mundial vinha fornecendo também diminuiu desde 2005, uma vez que Pyongyang chegou a pedir para pôr fim ao programa de emergência. O PAM alimenta cerca de um milhão de pessoas que são consideradas como vulneráveis (crianças, mulheres grávidas). Por fim, preocupada com a sua demanda interna, a China reduziu sensivelmente as suas vendas para o exterior de gêneros alimentícios, aumentando as suas taxas de exportação. A RPDC foi atingida em cheio por estas medidas.
Os especialistas se mostram divididos em relação às conseqüências deste agravamento da penúria. "A situação é alarmante, mas é pouco provável que ela provoque uma onda de fome tão dramática quanto aquela de meados dos anos 1990", avalia Erica Kang, da Good Friends. "Os riscos estão presentes, mas a situação atual é diferente. As pessoas aprenderam a não mais dependerem do Estado. Mesmo se o regime segue tentando controlar os mercados livres e acentua a repressão, a economia subterrânea constitui um paliativo. Além disso, a China não deixará a situação escapar do controle na RPDC, às vésperas dos Jogos Olímpicos. É pouco provável que nós assistamos a um afluxo de migrantes na sua fronteira, tal como ocorreu durante os anos 1990. Dos dois lados, os controles foram reforçados". Ainda assim, a população está de fato se preparando para meses difíceis, principalmente nas regiões pobres do norte, onde podem aparecer bolsões de fome, segundo os especialistas.
(Por Philippe Pons, Le Monde, tradução de Jean-Yves de Neufville, UOL, 24/04/2008)