O primeiro passo para tornar o processo de regularização das terras quilombolas mais efetivo seria o reconhecimento, pela sociedade brasileira, de uma dívida histórica com a população negra, que deve ser reparada pela violência sofrida durante séculos.
Foi o que defendeu a representante da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq), Ana Emília Moreira Santos, durante audiência pública realizada ontem (23) na comissão especial da Câmara que analisa o Estatuto da Igualdade Racial. O projeto prevê diversas ações em defesa dos quilombolas.
“Sou da comunidade Matões dos Moreira, a 500 quilômetros de São Luís. Nessa época do ano, ficamos ilhados lá, por conta da chuva. Levamos três dias para chegar. Muitas mulheres doentes morrem antes de chegar ao hospital”, contou Ana Emília ao deputados.
“A grande dificuldade para o processo de titulação das terras de remanescentes de quilombolas não é nem falta de infra-estrutura do governo. A partir do momento em que a sociedade brasileira passar a nos enxergar e ter consciência da necessidade de reparar uma dívida histórica, aí acaba essa dificuldade toda.”
As 55 famílias de Matões de Moreira reivindicam 5,1 mil hectares de terra – hoje elas vivem em cerca de 3 mil hectares, que seriam insuficientes para as atividades de subsistência. Segundo Ana Amélia, a comunidade já recebeu certificado cultural da Fundação Palmares, mas o processo de demarcação e titulação das terras no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está parado.“Sabemos que as empresas que ocupam nossas terras já estão pressionando, entrando com processo para atrapalhar o andamento. Querem continuar criando gado, plantando capim e desmatando.”
A representante da Aconeruq tem participado das negociações sobre a instrução normativa que deve estabelecer novas regras para o processo de regularização das terras quilombolas. De acordo com ela, os quilombolas não vão abrir mão de comunidades como Alcântara, no Maranhão, que fica em área considerada de defesa nacional.
“Antes de existir essa base lá existia a base dos quilombolas. Ou a comunidade volta para seu antigo território, com condições de subsistência, ou então não há acordo”, disse Ana Amélia.
“Sofremos a pior discriminação que é aquela do olhar, de cima embaixo. Mas vamos continuar resistindo, apegados à nossa religião, que mantem a gente nessa luta. É colocando os joelhos no chão e pedindo para que os orixás intercedam por nós que vamos continuar”, completou
(Radiobrás,
Amazonia.org, 24/04/2008)