Jeferson Péres diz que governo cometeu equívoco ao demarcar reserva contínua. Senado chama general para audiência.Péres vê 'equívoco' do governo na demarcação da reserva A Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, poderá se transformar num contencioso de dimensões internacionais. O alerta é do senador Jefferson Péres (PDT-AM), que classifica a situação de “preocupante pelo risco de confrontação” e alerta para o perigo de separatismo futuro na reserva. “Creio que, ali, o governo brasileiro, cedendo à pressão de entidades estrangeiras, cometeu um grave equívoco ao fazer a demarcação de uma área tão extensa — 17 mil quilômetros quadrados, quase do tamanho de Sergipe — em áreas contínuas”.
Há uma semana, o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, chamou de ‘caótica’ e ‘lamentável’ a política indigenista brasileira, e considerou uma ameaça à soberania nacional a reserva contínua Raposa Serra do Sol. As declarações irritaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cobrou aos superiores explicações do general, e ao mesmo tempo abriram o debate em torno da política de defesa da Amazônia.
Agora, o Senado estuda convocar o general e o presidente da Funai, Márrcio Meira, para audiência pública. Eles deveram fazer sobre a política indigenista no Brasil e a defesa da Amazônia. A pedido do senador Arthur Vírgilo (PSDB-AM), a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) deve ouvir o general em sessão reservada.
Pode haver separatismoPéres diz causar estranheza o fato de o governo demarcar a reserva de forma contínua mesmo sabendo que lá dentro vivem quatro etnias diferentes, que “nem sequer falam a mesma língua”. Há 5 anos, o senador integrou a comissão parlamentar estudou a demarcação da reserva. Péres comparou a situação da Raposa do Sol ao conflito de Kosovo — a tensão começou em 1998 entre separatistas de origem albanesa e o governo central da Iugoslávia, liderado pelo presidente Slobodan Milosevic.
“A área de Kosovo sempre foi da Sérvia, mas bastou uma declaração unilateral de independência para a Comunidade Européia reconhecer o novo Estado. E agora vemos que os defensores da reserva [Raposa Serra do Sol] de forma não aceitarão se o Supremo Tribunal Federal decidir que a demarcação não deve ser contínua. A advogada do Conselho Missionário Indigenistas já informa que vai recorrer a instâncias internacionais. Isso é muito grave,” ressalta Péres.
Para Péres, partidários da demarcação tentam ‘demonizar’ àqueles que são contrárias. Também contesta a afirmação de na reserva há uma disputa entre 18 mil índios e ‘uns seis plantadores de arroz’. Disse ter constatado, quando integrou a comissão do Senado que estudou o assunto, que lá existem caboclos há mais tempo do que índios macuxis, os quais vieram da região do Caribe, da foz do Rio Orinoco (Venezuela).
Ainda de acordo com o senador vivem na área não-índios descendentes de nordestinos que para lá se dirigiram no final do século 18, que se tornaram agricultores, extratores e pecuaristas. “Agora se vai expulsar essa gente? Estão sendo expulsos. Há cinco vilas dentro da reserva,” indaga. Péres lembra que eles vivem lá há gerações, lado a lado com os índios aculturados. “Eles têm direito de viver ali tanto quanto os índios. Têm a mesma legitimidade”.
Outros senadores também cometaram as declarações do general Heleno Augusto. Para Delcídio Amaral (PT-MS), é preciso discutir as políticas de fronteira e de integração do índio, questões, a seu ver, tão mais relevantes que a própria política demarcatória de terras indígenas. “Não é só falar de índio e demarcação. É estudar as condições para indenização aos produtores”, disse. Delcídio acrescentou: “algumas reservas são verdadeiros campos de concentração em Mato Grosso do Sul”. O senador defendeu infra-estrutura, água, educação e saúde nas áreas indígenas.
Na avaliação do líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), o comandante militar da Amazônia apenas “teceu comentários sobre uma política que considera caótica, mal alinhavada, referindo-se à reserva Raposa do Sol”.
“O mundo caiu por cima do general. Teria cometido um crime de lesa-pátria? — indagou Agripino, sustentando que o militar apenas defendeu um ponto de vista por “entender que ali residiam os interesses do Brasil”. O governista Tião Viana (PT-AC) criticou o general pelas declarações à política indigenista do governo.
Agência Amazônia,
FGV, 24/04/2008)