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segurança alimentar alta no preço dos alimentos
2008-04-24

Há não muito tempo, Dwight Anderson recebia os repórteres com braços abertos. Ele gostava de entretê-los com histórias do mundo dos altos investimentos. Anderson é um administrador de fundo hedge de Nova York e recentemente, em outubro passado, ele gostava de falar com entusiasmo sobre suas visitas às plantações para óleo de palma na Malásia e às fazendas de grãos brasileiras. "É possível ver claramente como a oferta está ficando apertada", ele disse.

Em meados de 2006, Anderson apregoava a "lucratividade extraordinária" de plantações de milho e soja. Ele estava convencido de que a crescente fome mundial seria sinônimo de alta lucratividade e barganhas de investimento certas. Em busca de novos investimentos, Anderson envia dezenas de seus funcionários para visitar regiões agrícolas ao redor do mundo. De volta a Nova York, na sede de sua empresa no 27º andar de um prédio comercial na Park Avenue, eles apostam em mercados agrícolas do Peru ao Vietnã.

Mas nas torres acima dos desfiladeiros urbanos de Manhattan, é fácil perder contato com o solo. O administrador de fundo hedge, John Paulson, recentemente foi celebrado por obter o lucro anual recorde de US$ 3,7 bilhões. Aqueles que trabalham neste ambiente só têm uma regra: não decepcione os investidores ávidos por lucros.

"Eu estou constantemente ligado", Anderson costumava dizer, quando falava com os jornalistas. Seu apelido no setor é "Rei dos Commodities" e seu fundo hedge Ospraie é o maior do mundo. Atualmente, entretanto, Anderson evita a mídia. Ele até mesmo manteve seu rosto longe da mídia ao comprar os direitos de todas suas fotos disponíveis no mercado. Seu porta-voz é atualmente pago, em grande parte, para não dizer nada.

Um mercado quebrado?
Há muitas perguntas a serem feitas a Anderson -em particular sobre o papel dos investidores internacionais na atual alta dos preços de alimentos básicos. Não apenas comenta-se que os investidores lucraram com a fome desesperada em Honduras, Filipinas e Bangladesh; os críticos também se perguntam se os especuladores de commodities estão agravando a crise.

Na terça-feira em Washington, DC, um órgão regulador chamado Comissão de Comércio de Commodities e Futuros (CFTC, na sigla em inglês) realizou audiências públicas sobre este assunto. Produtores rurais e de alimentos argumentaram que o mercado estava "quebrado", sugerindo que o aumento acentuado no preço de alimentos básicos estava prejudicando a todos -tanto produtores rurais quanto as pessoas que alimentam. "O mercado está quebrado, não está funcionando direito", disse Billy Dunavant, chefe de uma empresa produtora de algodão nos Estados Unidos, na audiência de terça-feira.

Os reguladores da comissão recomendaram contra a intervenção do governo, assim como, sem dúvida, também recomendariam administradores como Anderson. Mas a crise continua piorando. A Índia e o Vietnã impuseram proibições de exportação ao arroz comum. A Indonésia fará o mesmo. Segundo a ONU, a Coréia do Norte está à beira de uma crise humanitária. Após turbulências terem sacudido países do Egito e Uzbequistão até Bangladesh, milhares de sul-africanos foram às ruas de Johannesburgo na última quinta-feira para protestar contra as altas dos preços dos alimentos. No Haiti, o primeiro-ministro perdeu o cargo após os tumultos causados pelo preço do arroz.

Biocombustíveis e aquecimento global foram culpados pela escassez que está provocando a alta dos preços dos alimentos, e ambas as tendências tiveram um papel. As reservas de grãos do planeta estão quase vazias por vários motivos, incluindo crescimento da população mundial e maior prosperidade em alguns países, como a Índia. O milho está em falta porque os países industrializados o usaram para etanol. As secas -na Austrália, por exemplo- arruinaram as safras de arroz e trigo. As reservas mundiais de trigo só são suficientes no momento para cobrir cerca de 60 dias de demanda.

Isto ajuda a explicar por que os preços dos commodities estão subindo desde o início de 2006, com uma alta de 217% no preço do arroz, 136% no do trigo, 125% no do milho e 107% no da soja.

Mas a teoria clássica de oferta e demanda oferece apenas uma explicação parcial. As altas repentinas nos preços desde janeiro foram alarmantes. A ONU estima que pelo menos US$ 500 milhões em ajuda imediata são necessários até 1º de maio para evitar uma fome grave. Cientistas agrícolas da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) apresentaram um relatório sobre a crise mundial de alimentos. E cresce as críticas de que fundos hedge, fundos de índices, fundos de pensão e bancos de investimento têm parte da culpa.

A história dos futuros
A especulação de commodities se expandiu há muito tempo de produtos-padrão como petróleo e ouro para qualquer coisa comestível e disponível para negociação na Bolsa de Futuros de Chicago. Atualmente há contratos futuros para tudo, de trigo e suco de laranja até carne de porco. O mercado de futuros é uma ferramenta tradicional para agricultores venderem suas colheitas antes do tempo. Em um contrato futuro, quantidades, preços e datas de entrega são fixados, às vezes bem antes dos produtos serem plantados. Os contratos futuros permitem aos agricultores e atacadistas de grãos uma certa proteção contra condições climáticas adversas e flutuações excessivas dos preços. Eles também podem ajudar um agricultor a planejar quanto plantar em um determinado ano.

Mas agora os especuladores estão tirando proveito deste mecanismo. Eles podem comprar contratos futuros para trigo, por exemplo, a um baixo preço, apostando que o preço subirá. Se o preço do grão subir até a data de entrega acertada, eles lucram. Alguns especialistas agora acreditam que os investidores tomaram conta do mercado, comprando futuros em níveis sem precedentes e provocando alta nos preços a curto prazo. Desde agosto passado, este mecanismo fez com que o arroz chegasse ao dobro do preço -incluindo as 500 mil toneladas que o governo filipino planeja comprar no início de maio para compensar sua própria escassez.

Greg Warner trabalha no setor atacadista de grãos por mais de duas décadas. Seu escritório fica a um quarteirão da Bolsa de Futuros de Chicago. Ele é um analista da firma AgResource, e ele diz que o que está acontecendo agora no mercado de trigo é sem precedente. "O que normalmente temos é um grupo previsível de vendedores e compradores -principalmente agricultores e operadores de silos", ele diz. Mas a paisagem mudou desde o ingresso dos grandes fundos de índices. Os administradores de fundos buscam maximizar seus lucros usando contratos futuros, diz Warner, "e os preços continuam subindo e subindo".

Ele calculou que os investidores financeiros atualmente detêm os direitos de duas safras anuais inteiras de um grão específico negociado em Chicago chamado "trigo vermelho de inverno". Wagner está espantado com estes desdobramentos. Ele os vê como evidência de que o capitalismo está literalmente consumindo a si mesmo.

'É um ano eleitoral'
Mesmo a CFTC em Washington reconheceu a natureza potencialmente explosiva da questão. Na audiência de terça-feira, a comissão convocou não apenas produtores rurais, mas também representantes do banco de investimento Goldman Sachs e grandes investidores como Pimco e AIG para testemunhar. Um membro da comissão, Bart Chilton, rejeitou a regulação dos investidores, dizendo: "Estes mercados precisam trabalhar para todos os participantes. Se não houver especuladores nos mercados, não há liquidez e não há mercado". E o editor de um boletim de commodities, Dennis Gartman, negou veementemente que os especuladores eram culpados.

"Este é um ano eleitoral", ele disse. "Achar que não teríamos senadores e deputados atribuindo os altos preços aos especuladores é ingenuidade." Mas algumas regras básicas do mercado parecem ter deixado de funcionar. "O enorme afluxo de capital fez com que os mercados de futuros não mais refletissem a oferta e demanda", diz Todd Kemp, da Associação Nacional de Grãos e Alimentos dos Estados Unidos. Ironicamente, os investidores fizeram suas maiores apostas em alimentos básicos. A informação sobre os gargalos de oferta e fome no outro lado do mundo não é mencionada nas cotações de mercado.

Um mercador de commodities chamado Christoph Eibl conclui de forma sóbria que os administradores financeiros só querem "se beneficiar com a escassez destas commodities". A firma de investimento de Eibl, a Tiberius, com sede em Stuttgart, administra US$ 1,6 bilhão. Seus especialistas internos estimam que centenas de bilhões de dólares migraram para o setor de futuros como um todo nos últimos cinco anos, grande parte para commodities agrícolas. Eibl admite que a coisa toda exige uma "discussão ética". Alguns investidores de futuros argumentam que não causam alta dos preços no mundo real, porque como regra eles nunca recebem a entrega de um dado produto -outra parte da economia controla o preço real nas ruas. Mas os preços dos futuros afetam o comportamento do mundo real (como a formação de estoques) e Eibl diz que a compra de contratos futuros de arroz, por exemplo, "no final provoca alta nos preços ao consumidor em países em desenvolvimento como o Haiti".

'Passiva e voltada ao lucro'
Vozes como a de Eibl são raras até agora, talvez porque um boom comparável nas commodities nunca existiu antes. Especialistas já estão discutindo o que chamam de "superciclo", provocado pela crescente demanda na China, e por agricultores incapazes, a longo prazo, de atender o aumento da demanda. O planeta possui uma quantidade finita de terras para agricultura.

O resultado é que mais e mais pequenos investidores estão subindo no vagão das commodities. Muitos investidores, não diferente dos administradores de fundo hedge, buscam a diversificação de seus portfólios, em parte por meio de investimento em commodities agrícolas. Do ponto de vista destes investidores, safras ruins que provocam alta dos preços são boas para seus portfólios. Muitos investidores não se importam ou simplesmente ignoram o fato de que ao investir no cassino global, eles podem estar apostando o suprimento alimentar diário das pessoas mais pobres do mundo.

Andreas Grünewald é um astro entre os pequenos investidores na Alemanha. Ele lançou seu Munich Investment Club (MIC), juntamente com oito colegas estudantes e seu avô, em 1989, com cerca de 15 mil euros de capital inicial. Grünewald, formado em escola de administração e negócios, agora administra mais de 50 milhões de euros para os 2.500 membros do MIC. As commodities são um item importante para Grünewald. "Eles são a megatendência da década", ele diz. Seu portfólio neste setor já vale cerca de US$ 24 milhões. Segundo Grünewald, isto é apenas o início.

Grünewald diz que deseja "permanecer amplamente concentrado" em água e commodities agrícolas e, em particular, "expandir estes investimentos se possível". Ele já fez suas apostas em laranja, açúcar e milho nas bolsas de futuros. Sua aposta em trigo sozinha rendeu um lucro de 93% até o momento. Ele já planejou seu próximo passo. "O arroz é outro item interessante que poderia muito bem complementar nosso portfólio", diz Grünewald. Há escassez de escrúpulos no clube de investimento de Grünewald.

"A maioria de nossos membros é passiva e voltada ao lucro", ele reconhece. Nos eventos nacionais do MIC, poucas pessoas levantam as conseqüências sociais de seus investimentos. Tumultos por causa da explosão dos preços do arroz? Organizações de ajuda em estado de alerta? Nada disso importa muito para os fornecedores preferenciais e apóstolos do lucro na comunidade dos pequenos investidores. O setor financeiro regularmente introduz novos "produtos" de investimento para cada setor atraente, independente de quão questionáveis.

O gigante financeiro ABN Amro é particularmente adepto de obter lucro no atual mercado. Como provedor de produtos de investimento em commodities para investidores privados, o ABN Amro se tornou em março passado o primeiro banco a oferecer certificados que permitem aos pequenos investidores apostarem na alta dos preços do arroz na Bolsa de Futuros de Chicago.

O departamento de marketing do banco reagiu com precisão fria às manchetes sobre a fome ao redor do mundo. Há duas semanas, quando especialistas alertaram sobre a crise de fome iminente e a instabilidade política associada a ela, o ABN Amro apresentou uma nova campanha publicitária em seu site. Com a proibição pela Índia da exportação de arroz, dizia o anúncio, a oferta mundial de arroz caiu ao mínimo: agora o ABN Amro está possibilitando, pela primeira vez, investir no alimento básico mais importante da Ásia.

Apresentar um produto de investimento durante um gargalo de oferta que tem provocado tumultos? Os banqueiros do ABN Amro são realmente aqueles contadores de centavos inescrupulosos clichês? "Nós estamos cientes das atuais discussões relacionadas às commodities agrícolas", diz Önder Ciftci, chefe do setor de certificados alemães do ABN Amro. Mas ele não está interessado em uma discussão de ética. "Nós produzimos as semeadeiras, mas outros precisam semear", ele diz.

O ABN Amro realmente semeou uma fonte substancial de lucros. No intervalo de apenas três semanas, os investidores obtiveram retornos de mais de 20%. O número de contratos futuros negociados em Chicago foi às alturas.

Nenhum alimento?
Jim Rogers, o ex-sócio do lendário investidor e filantropo George Soros, talvez seja o investidor mais conhecido em fundos de commodities. Ele começou a transferir seu dinheiro para commodities nos anos 90. Em suas viagens ao redor do mundo, ele percebeu que quase tudo, de níquel ao cacau, está em falta em uma economia globalizada. Ele tem apostado nas altas dos preços desde então. Isto teve um impacto em todo o setor, porque o Índice Internacional de Commodities Rogers é um referencial para inúmeros fundos. Estas máquinas de fazer dinheiro atraíram bilhões em investimentos nos últimos anos e parte do dinheiro foi colocado em contratos futuros, aquecendo ainda mais os preços.

Mas agora Rogers, entre todas as pessoas, está alertando: "A menos que algo aconteça logo, nós veremos pessoas sem receber comida alguma, a nenhum preço. Este é o tipo de coisa sobre a qual lemos em livros de história, mas agora tenho medo de que poderá acontecer em breve". Mas do seu ponto de vista, a calamidade não é culpa de investidores como ele, mas das políticas dos países em desenvolvimento -como a imposição de proibições de exportação e o estabelecimento de tetos para os preços. Isto priva os produtores rurais, que enfrentam custos cada vez maiores de itens necessários como combustíveis e fertilizantes, de qualquer incentivo para produzir mais arroz.

"Eu acho que esta postura é moralmente repreensível", diz Rogers. "Estes governos prefeririam deixar as pessoas passarem fome do que permitir um aumento natural dos preços." A remoção dos controles de preços, ele diz, é a única forma de aumentar novamente os níveis de produção de arroz. Os produtores, afinal, não dariam seu arroz aos pobres, diz Rogers. Mas ele não explicou como os pobres pagariam pelos preços mais altos. Quem sabe este seja um problema para os políticos?

(Por Beat Balzli e Frank Hornig, Der Spiegel, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 23/04/2008)

 


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