Para além das preocupações com o impacto dos alimentos sobre a inflação mundial, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) consolida a estratégia de reforçar a "poupança genética" nacional contra mudanças climáticas, secas, novas pragas e doenças com a substancial ampliação do banco de material genético de grãos, plantas e pólens de várias partes do mundo.
Para assegurar aos pesquisadores "munição" adicional de novas variedades agrícolas, a estatal acaba de acrescentar 40 mil materiais genéticos ao seu banco de germoplasma. Cedidas pelos Estados Unidos, as variedades transformam a coleção brasileira, agora com 150 mil amostras, no quarto maior repositório de espécies vegetais do mundo. No jogo internacional da "poupança genética", o Brasil está atrás só dos conjuntos reunidos por EUA (490 mil), China (390 mil) e Alemanha (160 mil).
Os pesquisadores brasileiros terão, a partir de agora, acesso ao acervo integral do material genético americano derivado de arroz (17 mil amostras) e de soja (23 mil itens). Também estão incluídos outros nove mil variedades de diferentes espécies. "Estamos garantindo munição de longo prazo à rede de pesquisadores brasileiros. Assim, poderemos trabalhar de olho no futuro com materiais novos, de características já estudadas e mapeadas por nossos parceiros, para agregar as particularidades exigidas em cada região produtiva do Brasil", resume o geneticista Luciano Nass, coordenador do programa de intercâmbio do Labex com o Serviço de Pesquisa Agrícola (ARS) americano.
O material armazenado no banco de germoplasma brasileiro será adaptado às condições do Brasil para melhorar a proteção contra doenças, pragas, resistência a altas temperaturas, tolerância à seca, além de avançar em índices de produtividade mais elevados e ciclos de produção mais curtos.
Nascido em Curitiba (PR), o pesquisador Luciano Nass mora há dois anos em Fort Collins, no Colorado, onde atua pela Embrapa em parceria com o Centro Nacional de Conservação de Recursos Genéticos, um dos principais "armazéns" de variedades animais e vegetais do mundo, que usa avançadas técnicas de preservação criogênica de materiais. Nesse período, negociou a ampliação do acervo brasileiro por meio de um acordo de intercâmbio entre o laboratório virtual da Embrapa (Labex EUA), que completa dez anos de atividade, e o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
Nass lembra que a troca de materiais ficou complicada após a assinatura, em 1992, da Convenção da Biodiversidade (CDB). Os países se fecharam apostando em futuros ganhos financeiros com a genética. Mas a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) conseguiu um tratado para permitir a troca de espécies. Ainda restrito, o intercâmbio beneficia estudos com 35 espécies (milho, arroz, feijão, trigo), mas não inclui importantes materiais, como soja e cana, por resistência dos países de origem das variedades (China e Índia). Os EUA, entretanto, não ratificaram a CDB. "Por isso, seguem promovendo o intercâmbio genético sem restrições".
Na agenda de uma nova fase da cooperação bilateral da Embrapa, estão a ampliação do intercâmbio na área vegetal e a expansão das trocas para os acervos genéticos animais. "Temos conversas para a troca de material de bovinos e peixes", revela Luciano Nass. Em jogo, estão variedades brasileiras armazenadas no Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, com sede em Brasília, coletadas nos Estados de Mato Grosso do Sul e Roraima.
O coordenador do Labex Embrapa nos EUA, o entomologista Félix França, informa que os pesquisadores brasileiros começarão a trabalhar com a "criopreservação", técnica que protege materiais genéticos a 196ºC negativos para avaliar as condições de longevidade das variedades. Duas pesquisadoras foram selecionadas para a nova fase do desenvolvimento da preservação de espécies de mandioca, abóboras, amendoim, fruteiras tropicais, abacaxi, mamão, entre outras. "Vamos desenvolver materiais futuros para casos de calamidades naturais", afirma.
(Valor Online,
FGV, 23/04/2008)