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cana-de-açúcar etanol biocombustíveis
2008-04-24
O físico nuclear José Goldemberg voltou há poucos dias dos Estados Unidos.  Foi fazer uma palestra em Denver, no National Renewables Energy Laboratory, o laboratório de energias renováveis do Departamento de Estado de Energia, e que desenvolve pesquisas com ventos, células fotovoltaicas e, naturalmente, biomassa.

Goldemberg, que coleciona longa trilha de cargos em universidades no Brasil e no mundo, e postos na esfera estadual e federal (já foi titular do ministério da Educação, secretário federal da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, reitor da Universidade de São Paulo e presidente da CESP), falou entusiasmado sobre o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar.  "O ataque atual aos biocombustíveis é fruto de um debate baseado em quatro mitos", pondera.

Na platéia estavam nove membros do conselho consultivo da instituição, do reitor da Universidade do Colorado ao chefe do laboratório de energia do MIT.  O décimo membro, um não-americano pela primeira vez na história do laboratório, era o próprio palestrante.  "O etanol é um ótimo combustível, o problema é o jeito de produzi-lo.  O de milho, de fato, tem problemas", reconhece.

Aos 79 anos, no fim de 2007 Goldemberg foi eleito junto a Angela Merkel, Al Gore e Mikhail Gorbachev um dos "heróis do ambiente" pela revista Time, justamente por suas pesquisas com etanol.  "O principal vetor de destruição da Amazônia não é o etanol, é o gado", diz.  "A área dedicada à produção de biocombustíveis no mundo é 10 milhões de hectares; a área para agricultura é 1,2 bilhão de hectares.  Os críticos perderam completamente o senso de proporção."

Valor: O senhor esperava este ataque ao etanol?

José Goldemberg: Estou surpreso.  Só pode ser a reação de lobbies fortes e me admira que alguns ambientalistas tenham caído nisso.  Está havendo uma ofensiva violenta dentro dos Estados Unidos contra a utilização de etanol feito do milho e isto acaba tendo reflexos na produção do etanol de cana.  São processos diferentes, mas estão sendo colocados no mesmo barco.

Valor: O senhor enxerga os atores desta ofensiva?

Goldemberg: Não é fácil identificá-los, mas pela natureza da argumentação são basicamente três.  A indústria do petróleo, com a preocupação que o etanol retire parte de seus lucros.  Os produtores de soja nos EUA, porque a área cultivada de milho está avançando sobre a deles.  E ambientalistas mal-informados que acreditam que a produção de biocombustíveis irá provocar a fome no mundo.  São aqueles xiitas, tipo Ziegler [Jean Ziegler, relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, que declarou que os biocombustíveis representariam um "crime contra a Humanidade" pelo seu impacto na produção e preço dos alimentos no mundo].

Valor: O senhor acha que os argumentos dele não procedem?

Goldemberg: É um obsessivo que diz que os biocombustíveis vão provocar um genocídio.  Li o artigo dele e não tem nada a ver com Ciência.  Tem um componente político forte, é o debate do Movimento Sem Terra.  Ele argumenta que o programa do etanol está enriquecendo latifúndios e que o que devia ser feito é a distribuição da terra.  Se você está interessado em política, ok.  É a mensagem que precisa fazer reforma agrária, que grande propriedade é ruim, que grande capital é ruim também.  Bom, essa é uma conversa que podemos ter num bar.  É uma coisa ideológica, não tem a ver com etanol.  E não dá para produzir etanol em assentamentos do Incra.

Valor: Por que não?

Goldemberg: Porque a tecnologia só funciona em grande escala.  Não pode ser pequeno produtor.  A produção de etanol de cana exige grande escala por causa da tecnologia, do processo de destilação, do maquinário.  No começo, há 30 anos, se tentou fazer mini-destilarias, que produziam 10 mil litros por dia.  Não dá, é anti-econômico.  As atuais produzem 1 milhão de litros por dia, são cem vezes maiores que aquelas.

Valor: O senhor fala em quatro mitos em torno aos biocombustíveis.  Quais são eles?

Goldemberg: O primeiro é que estão levando ao desmatamento.  O segundo, que estão causando fome no mundo.  O terceiro, que não reduzem as emissões de gases do efeito estufa, e finalmente que, se forem viáveis, só o são em nichos, em lugares como o Brasil.  O debate atual deste tema se centra em torno de mitos.

Valor: O senhor pode detalhar?

Goldemberg: Nos EUA, os biocombustíveis de milho não estão levando ao desmatamento, mas avançando sobre a soja.  Não tem mata para destruir nos EUA.

Valor: Mas aqui tem.  E o que se fala é no efeito indireto...

Goldemberg: Pois é.  A idéia é que a área de milho aumentou em cima da soja e para compensar a perda, países como o Brasil têm que aumentar a produção.  Então se destrói a Amazônia para produzir soja.  Mas nestes últimos anos em que ocorreu o aumento da produção de milho nos EUA, o desmatamento da Amazônia diminuiu e a área de soja não aumentou.

Valor: O senhor se refere a antes do final de 2007, quando o desmatamento da Amazônia subiu...

Goldemberg: Sim.  O problema do desmatamento do Brasil, que é real, é causado pelo gado.  Não foi provocado pelo aumento na produção de soja.

Valor: Não tem a ver com o preço baixo da soja no período?

Goldemberg: É, o preço não era atraente, o pessoal preferiu fazer outra coisa.  Mas a pressão é o gado que faz e é preciso registrar que o governo brasileiro também está tentando resistir.  Eu acho que o governo brasileiro está pagando um preço alto pelo fato de não ter conseguido conter o desmatamento na Amazônia.  Mas achar que a produção de etanol é o único vetor de desmatamento da floresta é um exagero completo.

Valor: Mas é um vetor forte?

Goldemberg: Não creio.  Em algumas regiões do Estado de São Paulo, sobretudo em Araraquara, a cana está ocorrendo em cima de pastos.  Os pastos aqui tinham 1,2 cabeça/hectare.  Era o gado mais confortável do mundo.  Agora aumentou para 1,4.  Alguns ambientalistas argumentam que está empurrando para a floresta.  Não é verdade, está adensando a pecuária.

Valor: O senhor não teme que o preço da soja, em elevação, não vá criar este efeito?

Goldemberg: Acho que sim.  E isso se liga ao problema geral, às ações que o governo tem que tomar para impedir que a destruição da Amazônia aconteça.  Mas por enquanto este efeito indireto é pequeno.  Apresentá-lo como uma catástrofe não tem cabimento.

Valor: E o segundo mito, o que relaciona a produção de biocombustíveis à fome no mundo e está colocando o etanol sob fogo cruzado?

Goldemberg: O segundo argumento é que pegar milho e produzir biocombustíveis está levando ao aumento do preço do milho.  Que já afetou a produção de tortilha no México e está fazendo disparar o preço das commodities no resto do mundo.  Mas as commodities no mundo estão subindo por um motivo que não tem nada a ver com os biocombustíveis.

Valor: Qual?

Goldemberg: A China, que está comprando tudo o que aparece.  Além disso, a área dedicada à produção de biocombustíveis no mundo, somando EUA e Brasil, é de 10 milhões de hectares.  E a área usada para agricultura, no mundo, é 1,2 bilhão de hectares.  Ou seja: estes críticos perderam completamente o senso de proporção.  Estão achando que a plantação de cana de açúcar no Brasil, e a de milho, nos EUA, estão aumentando e perturbando o sistema todo.  Simplesmente não é verdade.  Como é possível?  É uma coisa pequena.

Valor: O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan alertou para o problema moral, segundo ele, da produção de biocombustíveis...

Goldemberg: Foi uma intervenção muito infeliz.  São só dez milhões de hectares no mundo, considerando o milho para etanol também!  Isso é o que mais me irrita nesta argumentação.  Como é possível que o que está ocorrendo com 10 milhões de hectares vai afetar um mundo enorme de 1,2 bilhão de hectares?  É uma postura política.  É como dizer que a inflação no Brasil está sendo causada pela produção de etanol.  O preço do tomate está subindo, tem o dólar, os problemas macroeconômicos.  Não é a cana que está causando isso.  Tem um gráfico do próprio FMI que mostra que o preço dos alimentos sobe o tempo todo e por mil razões.  Então, acusar a produção de biocombustíveis como a causa do aumento do preço dos alimentos é totalmente fora de propósito.  É uma coisa apaixonada, ideológica.

Valor: E o terceiro mito?

Goldemberg: É o que diz que os biocombustíveis não reduzem as emissões de carbono.  A produção de etanol a partir da cana tem demonstrado que isso não é verdade.  O etanol, quando se usa no carro, também produz CO2, tanto faz se é de cana ou de milho.  Mas no caso da cana, quando ela cresce, reabsorve aquilo.  Etanol de cana é praticamente neutro nas emissões de CO2.  E as usinas de açúcar e álcool no Brasil nem utilizam energia externa, usam a que vem do próprio bagaço.  Estão ficando tão eficientes que, além de fazer isso, exportam energia elétrica.  Com o milho é diferente.  Não tem bagaço então eles usam carvão ou petróleo para fermentar e produzir etanol.  E então, de fato, a produção de etanol do milho não é uma energia renovável como é a energia do etanol do Brasil.  Aí há uma incompreensão clara e não se pode colocar tudo no mesmo balaio.

Valor: É preciso descolar, então, o etanol de milho do etanol de cana?

Goldemberg: Sim.  O etanol de milho é mais problemático e não tem área nos EUA para expandir.  Mas no Brasil tem uma imensa área de pastagens degradadas.  Só no Estado de São Paulo são 10 milhões de hectares.

Valor: A tal parceria Brasil e EUA nesta área tinha que ser revista?

Goldemberg: Não está ajudando nada e estamos nos contaminando pelos problemas do etanol americano.  É o tipo do acordo passivo.  O Brasil devia ter feito um acordo desde que os EUA removessem as tarifas sobre o etanol brasileiro.  Se não houvesse a barreira alfandegária, o etanol brasileiro estaria inundando os EUA.  O que seria bom para combater o efeito estufa nos Estados Unidos.

Valor: A revista Science publicou um estudo recentemente que mostrava que o balanço de etanol não era tão bom assim não...

Goldemberg: Ah não, mas eu sei por quê.  É que eles se perguntam onde a cana está sendo produzida.  Pensam assim: "Teve que derrubar floresta, e na floresta tinha carbono.  Então aquele carbono que saiu quando se derrubou a floresta micou todo o processo."  Acontece que a cana-de-açúcar no Brasil não está crescendo em área de floresta, este é um dos mitos.  A cana no Estado de São Paulo ocupa o lugar onde estava o café.  E tem o balanço energético também.

Valor: Como é esse balanço?

Goldemberg: O balanço energético do etanol mede o quão renovável ele é.  Fiz esta conta em 1978, o cálculo de quanta energia fóssil era necessária para produzir etanol.  É o seguinte: imagine uma usina, entra cana de um lado e sai etanol do outro.  Quanto de energia precisa colocar para fazer etanol?  Quanto de fertilizante, que usa energia que vem de combustível fóssil, de pesticidas, de caminhões a diesel que trazem a cana que vai para a usina?  E vai somando tudo.

Valor: Qual o resultado?

Goldemberg: A relação é de oito para um na produção de etanol de cana.  Coloca-se uma unidade de combustível fóssil e ganha-se oito de energia de etanol.  Energia do Sol, que faz as plantas crescerem.

Valor: Como é a relação com o etanol do milho?

Goldemberg: É ruim: 1,5 para um, quase empata.

Valor: E o quarto mito?

Goldemberg: Quando finalmente concordam que a produção do etanol de cana dá um combustível mais puro etc e tal, os críticos falam "ah bom, mas isso é só no Brasil.  E o Brasil é um nicho, tem dez vezes menos automóveis que nos EUA.  Então, mesmo que vocês resolvam o problema aí, não vão resolver o problema no mundo...."

Valor: E não é assim?

Goldemberg: Não.  O Brasil só produz 25% da cana-de-açúcar mundial.  Há cana em toda a América Central, na Índia, na África do Sul, em Moçambique.  A experiência brasileira pode ser replicada e está sendo.  Na Colômbia já tem quatro destilarias como as do Brasil.  Aí eles vêm e dizem, "ah, mas vocês produzem etanol e tem trabalho escravo, tem queimadas."

Valor: E não tem?

Goldemberg: No Estado de São Paulo, onde dois terços da produção está, 50% da cana já é cortada mecanicamente.  Até 2012 o corte manual, que exige as queimadas, vai ser eliminado no Estado.

Valor: A Alemanha desistiu da mistura etanol/gasolina.  O senhor não teme que isso possa atingir outros países da União Européia?

Goldemberg: Outros países europeus estão vacilando.  É preciso um esforço grande do governo brasileiro para esclarecer os mitos.
(Valor Online, FGV, 23/04/2008)

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