Permissões para cortes estão suspensas em Marcelândia (MT) desde fim de janeiro
Números gerais sugerem queda na devastação, mas concentração de nuvens atrapalhou visualização das áreas via satélite e análise
Num período de muita chuva na região amazônica, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) detectou em março uma das maiores extensões de desmatamento do ano concentrada numa única área em Marcelândia, em Mato Grosso, superior a 25 vezes o tamanho do parque Ibirapuera (zona sul de São Paulo).
O município é um dos 36 que mais derrubaram árvores na Amazônia e, por isso, teve suspensas autorizações para cortes desde o final de janeiro. A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) sobrevoou Marcelândia, em 30 de janeiro, e, segundo sua assessoria, "constatou a grande extensão do desmatamento". Na ocasião, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), se encontrou com ela e disse que as informações sobre desmatamento são imprecisas. Nas imagens de março, divulgadas ontem pelo Inpe, Marcelândia é líder absoluta na devastação. Em cinco áreas da cidade, foram 65,5 quilômetros quadrados a menos de florestas. O número representa 45% do total do desmatamento medido no mês pelo Deter, o sistema de detecção em tempo real.
A contabilidade final, disponível na página do Inpe na internet, sugere um primeiro sinal de freio no ritmo acelerado de desmatamento registrado a partir do segundo semestre de 2007, e responsável por dois alertas seguidos do Inpe.
Em março, o Deter captou 145,7 quilômetros quadrados a menos de floresta na região amazônica, o equivalente a 20% do desmatamento captado no mês anterior. Em fevereiro, depois do anúncio de medidas do governo para conter o problema, o Inpe ainda registrou o abate de 725 quilômetros quadrados de matas.
Técnicos do Inpe alertam que o grande volume de nuvens em março -tradicional nessa época do ano- prejudicou as imagens. Boa parte da região ficou debaixo de nuvens. Praticamente não houve registros na segunda quinzena de março.
Dados mais precisos só deverão ser divulgados no segundo semestre, a partir do sistema Prodes, mais preciso que o Deter. Apesar de os dados sugerirem um sinal de freio no desmatamento, pesquisa nos dados do Inpe indica novamente dificuldade para o governo cumprir a meta do ano. Do início de agosto de 2007 ao final de março deste ano, o Deter registrou 4.732 quilômetros quadrados de desmatamento, equivalente a três vezes a cidade de São Paulo. De agosto de 2006 a julho de 2007, foram registrados 4.974 quilômetros quadrados a menos de florestas.
Ou seja, faltando quatro meses para o fechamento do período de aferição, a diferença é de apenas 242 quilômetros quadrados nos dados do Deter. Os registros feitos em tempo real são mais rápidos, mas menos precisos: captariam menos da metade do desmatamento real, projetado pelo Prodes.
O Ministério do Meio Ambiente evitou comemorar ontem a aparente queda. "A redução é expressiva, mas temos de considerar que houve um problema dramático de nuvens, não estamos vendo boa parte da região, e a análise está sujeita a questionamentos", disse João Paulo Capobianco, secretário-executivo do ministério. Segundo Capobianco, o satélite pode ter captado, em Marcelândia, um estágio preliminar do corte raso de árvores.
Flávio Montiel, diretor de fiscalização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), disse que dados de satélite servem como base para a ação dos fiscais. O diretor não obteve ontem resposta da fiscalização em Marcelândia: "Até o final do mês, teremos pelo menos 250 fiscais do Ibama em campo em Mato Grosso". Áreas de desmatamento ilegal serão embargadas assim que os fiscais chegarem ao local.
Meta
A meta do governo é conter o desmatamento entre agosto do ano passado e julho deste ano em menos de 11,2 mil quilômetros quadrados -número medido em 2007 pelo Prodes, no terceiro ano consecutivo de queda da devastação. Apesar da redução, o mais recente levantamento anual divulgado ficou acima da meta original.
Segundo Marina Silva, 2008 representaria o "teste de fogo" para a política de combate ao desmatamento por dois motivos: pressões típicas do período pré-eleitoral e, sobretudo, aumento do preço de commodities, como a carne e a soja.
(Marta Salomon, Folha de São Paulo, 23/04/2008)