Um "tsunami silencioso" provocado pelo aumento dos preços dos alimentos ameaça 100 milhões de pessoas, disse a ONU na terça-feira, enquanto grupos humanitários alertaram que a situação vai piorar caso grandes países produtores restrinjam suas exportações. Também na terça-feira, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, disse que seu governo defenderá mudanças nas metas de uso de biocombustíveis na União Européia caso se comprove que o emprego de terras para a produção de combustíveis está aumentando o preço dos alimentos.
Na véspera, a UE disse que manteria seus planos de incentivo aos biocombustíveis. Josette Sheeran, diretora do Programa Mundial de Alimentos (PMA, uma agência da ONU), participou na terça-feira de uma reunião de especialistas convocada por Brown para discutir a crise. Antes do evento, ela disse a jornalistas que um "tsunami silencioso" ameaça mais de 100 milhões de pessoas em todos os continentes.
"Este é o novo rosto da fome --os milhões que não estavam na categoria urgente da fome há seis meses, mas agora estão." Os aumentos globais nos preços dos alimentos, provocados por uma série de fatores --encarecimento dos combustíveis, transtornos climáticos, aumento da demanda e uso da terra para os biocombustíveis--, geram distúrbios em vários países pobres da Ásia, da África e da América Latina.
O arroz da Tailândia, maior exportador mundial, mais do que dobrou de preço neste ano. Importantes exportadores do produto, como Indonésia, Cazaquistão, Egito e Camboja, impuseram restrições às exportações para garantir o abastecimento interno. Sheeran disse que essa escassez artificial agrava o problema nos países importadores. "O mundo está há três anos consumindo mais do que produz, então os estoques estão foram drenados", afirmou.
Por causa do aumento dos preços, o PMA está ficando sem dinheiro para comprar alimentos para seus programas e já reviu seus projetos de merenda escolar no Tadjiquistão, Quênia e Camboja. De acordo com Sheeran, a estimativa de gastos de 2,9 bilhões de dólares do PMA para 2008 terá de ser aumentada em 25 por cento para dar conta dos aumentos de produtos como trigo, milho e arroz.
FIM DE UMA ERA
A Grã-Bretanha prometeu 900 milhões de dólares para ajudar o PMA, e Brown manifestou novas dúvidas sobre o uso das terras para a produção de combustíveis. "Se nossa revisão no Reino Unido mostrar que precisamos mudar nossa abordagem, vamos também defender uma mudança nas metas de biocombustíveis da UE", disse ele.
Na véspera, o bloco decidiu manter sua meta de que até 2020 um décimo do combustível usado nos transportes seja oriundo de plantas e dejetos agrícolas. O ministro japonês da Agricultura, Masatoshi Wakabayashi, disse que Tóquio vai propor à Organização Mundial do Comércio que estabeleça regras claras para as restrições às exportações nos países produtores.
Os japoneses querem um mecanismo que permita aos importadores dar sua opinião quando houver restrições a exportações nos países produtores. Rajat Nag, diretor-gerente do Banco Asiático de Desenvolvimento, disse que a era da comida barata acabou e que os governos asiáticos, em vez de distorcer os mercados com restrições a exportações, deveriam usar medidas fiscais para ajudar os pobres.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, disse que a carestia alimentar ameaça os avanços obtidos no combate à pobreza nos últimos anos. Seu antecessor, Kofi Annan, disse que a mudança climática está agravando a crise alimentar global e que muitos países pobres podem estar à beira de "grandes desastres alimentares."
"Os pobres estão arcando com o ônus e foram os que menos contribuíram com a mudança climática. O poluidor deve pagar. A mudança climática é uma ameaça que afeta a todos --uma ameaça a nossa saúde, segurança, estabilidade política e coesão social", afirmou.
(Por JEREMY LOVELL, REUTERS, 22/04/2008)