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passivos dos biocombustíveis
2008-04-19
O Palácio do Itamarati está sendo palco de um evento marcante, onde estão sendo debatidos pelos movimentos sociais e sociedade civil, os grandes desafios enfrentados na América Latina e Caribe, particularmente no tocante à questão de segurança e soberania alimentar. É um debate muito oportuno e necessário no momento em que os pobres e a fome aumentam no mundo. Não pela falta de alimentos, mas por estarem estes transformados em mercadorias e commodities de especulação, controlados por uns poucos grupos multinacionais.

O grito, as denúncias, a resistência e a esperança se entrecruzam nos corredores e amplos espaços do Palácio do Itamarati, em Brasília. Neste mesmo lugar vai acontecer o encontro dos representantes dos governos, na 30ª Conferencia Regional da FAO, na próxima semana. Na mística de abertura foi denunciado o trabalho escravo, principalmente nas usinas de sucroalcoleiras e a brutal acumulação de riquezas às custas das vidas e da fome da maioria da população.

O otimismo do discurso do ministro Guilherme Cassel, do MDS, dizendo que "estamos vivenciando o fim do ciclo neoliberal" foi rapidamente sendo desfeito com as inúmeras denúncias de violência, destruição e fome na América Latina e Caribe. Um dos representantes de Colômbia disse, que ao contrário do afirmado, o neoliberalismo no mundo parece mais feroz e cruel do que nunca. "Ferida a fera ou o monstro está cada vez mais feroz". Os povos indígenas são os que mais sofrem as conseqüências desse sistema bárbaro. Secularmente foram submetidos a processos de extermínio e dominação. Hoje são os que mais sofrem com a continuidade da invasão e saque de suas terras. Existe um crescente empobrecimento das comunidades indígenas, com grande aumento da fome e subnutrição.

Os povos indígenas e a fome de justiça
Dentre os 120 delegados de 33 países, estão uns 15 indígenas. Do Brasil está uma Makuxi, do movimento de mulheres indígenas de Roraima (OMIR) e um Tupinikin, representando o movimento indígena do nordeste, Espírito Santo e Minas Gerais (APOINME). Depois de falarem das lutas e da falácia das políticas de proteção a seus direitos, pediram aos participantes da Conferência, solidariedade e apoio.

O representante do povo Kuna, do Panamá, falando das lutas desde o coração da terra conclama para a construção de um novo Estado Plurinacional, soberano e intercultural. Um dos participantes da Bolívia pediu apoio e solidariedade para os Guarani que tem seus territórios invadidos pelos fazendeiros. A Bolívia de revolucionários, onde os povos originários, que são a grande maioria da população, continuam cuidando da natureza, da mãe terra - Pachamama, seguem em frente na construção de uma nova Bolívia.

Magdalena Sarat, Maia, da Guatemala, representante das mulheres vítimas de conflitos internos, falou da dura repressão e violência que os indígenas, que são mais de 70%, estão sofrendo, com a criminalização e prisão de inúmeros indígenas. Nos consideram terroristas por que estamos lutando por nossas terras e direitos. Concluiu dizendo "o desenvolvimento que queremos é conforme a nossa cosmovisão e identidade de nossos povos.

Jorge Miskito, de Nicarágua, fez um emocionante relato do processo de lutas que tiveram em seu país e as dificuldades de entenderem a complexidade da visão dos não índios e suas propostas de vida e organização política e econômica. Porém ressaltou que os povos indígenas hoje estão se articulando e organizando em redes, desde as comunidades até em nacional e internacional. Mostrou como é difícil hoje viverem conforme a perspectiva indígena.

Houve várias falas, depoimentos, testemunhos fortes e emocionados que muito marcaram os participantes, que retribuíram com intensos aplausos. Um dos depoimentos mais contundentes foi trazida por Celia, Kechua da Bolívia. Mostra a conquista que estão consolidando em seu pai "Agora deixamos no passado o estado colonial e todos e todas estamos no fato histórico ao direito Plurinacional, Comunitário, livre, independente, soberano, democrático, intercultural, descentralizado e com autonomias". Terminam o documento na certeza de que a nova Constituição seja não só referendada, mas aplicada na prática "apoiamos o trabalho e processo Revolucionário que vem liderando nosso irmão indígena e Presidente dos Bolivianos e Bolivianas, Evo Morales Ayma".

A conferência prossegue hoje com os debates sobre Reforma Agrária e Soberania Alimentar e sobre reforma de sistema das nações unidas. Amanhã será discutido e aprovado o documento da Conferência Especial pela Soberania Alimentaria, pelos direitos e pela Vida, que será levado à Conferência oficial da FAO.

SOBERANIA ALIMENTAR E O FLAGELO DA FOME
A noite já ia avançada em Brasília, quando no Palácio Itamarati se encerrava a Conferência Especial pela Soberania Alimentar, pelos Direitos e pela Vida. Depois de quatro dias de muita informação e debates, os 120 participantes, de 33 países da América Latina e Caribe, expressaram suas posições para os governos e a FAO, que começa hoje, no mesmo espaço a 30 Assembléia Regional.

O documento deixa claro que "A soberania alimentar é um principio, um direito e um legado das mulheres rurais, Povos Indígenas e Pescadores, que foi adotada pelos movimentos sociais para a construção de um mundo, de uma nova sociedade, de uma nova forma de compreender as relações políticas, o desenvolvimento, os direitos humanos, a democracia, e a forma de produzir e manter os alimentos e os sistemas alimentares, de um mundo que sangra dia a dia pela vergonha que significam 79 milhões de pessoas com fome na região e 854 milhões no mundo inteiro".

Depois de muita partilha de experiências, informações e busca das causas, analisando os efeitos perversos desse sistema para o mundo de hoje, o documento afirma que "a fome e a pobreza não são produto da casualidades senão de um sistema deliberado que viola o direito à alimentação e a vida digna das pessoas e dos povos.Apesar da evidencia em todo o mundo dos nefastos efeitos do neoliberalismo, o sistema internacional, os governos e as corporações industrias insistem em submeter o planeta a um desenvolvimento que esgota as possibilidades da própria vida...O planeta, a terra, os oceanos, e os ecossistemas que mantém a vida estão em risco como nunca antes na história da humanidade".

Depois de analisar as causas reais da pobreza e da fome, os participantes, através do documento final demandam aos governos "1. Deter a criminalização das lutas e dos movimentos sociais e terminar a militarização dos territórios dos povos e das comunidades. 2. Deter as políticas que apóiam e fomentam os agro combustíveis, 3. A concretização de uma reforma agrária integral, radical, com a devida consulta, consentimento livre, prévio e informado dos Povos e das comunidades. 4. A imediata ratificação pelos governos do Convenio 184 da OIT referente à segurança dos trabalhadores rurais".

Apesar das limitações desse espaço da Conferência, como espaço de autonomia das sociedades civis da América latina e Caribe, se considerou um avança no diálogo e na construção de estratégias amplas nesse momento em que o mundo tem fome de alimentos e justiça, buscando novos rumos para superar o sistema neoliberal.

"O Haiti é aqui" - a fome e violência lá e cá
"Cheguei tarde, pois tive que atender a demandas advindas da situação no Haiti", justificou um dos representantes do Itamarati. As revoltas, violências desencadeadas pela continuada intervenção, agravada pela alta e falta de alimentos, num país em "que 76% vive em situação de pobreza e 45 das crianças com menos de 5 anos está com desnutrição"(....) foram um prato cheio na Conferência sobre Soberania Alimentar. Nesta mesma semana o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), lançou, na Conferencia da CNBB, em Itaici, o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil.

Ali ficou estampado o retrato do descaso e da violência a que estão submetidos os povos indígenas no Brasil. A situação mais clamorosa, de genocídio, continua sendo a do a do povo Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul. Ali os assassinatos aumentaram quase 100% neste último ano. Além disso, a população continua em total dependência das cestas básicas (e pobres) e do trabalho escravo nas usinas. Porém através de um Termo de Ajustamento de Conduta, a Funai está responsabilizada de começar logo (aliás, já era para estar nas áreas) e finalmente, a identificação das terras Guarani Kaiowá.

Enquanto no Palácio do Itamarati, algumas dezenas de representantes dos governos estarão debatendo as políticas relacionadas à produção e consumo de alimentos na região, na praça em frente, os barracos de lona preta estarão abrigando centenas de representantes dos povos indígenas de todo o país, no V Acampamento Terra Livre. Os tons, sons e gritos certamente serão diferentes, apesar de poucos metros distantes.

(Por Egon Heck *, Adital, 17/04/2008)
* Assessor do Conselho Indigenista Missionário - Cimi no Mato Grosso do Sul

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