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passivos dos biocombustíveis biocombustíveis
2008-04-22
Especialistas expõem opiniões divergentes em entrevistas ao G1. Eles avaliam se o Brasil tem responsabilidade na anunciada crise mundial de alimentos

O Brasil tem participação direta na crise mundial dos alimentos, com pouca terra e água escassa, de acordo com o economista Sérgio Schlesinger, autor do livro "O Grão que Cresceu Demais: a soja e seus impactos sobre a sociedade e o meio ambiente" e pesquisador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático e da ONG Fase. Segundo ele, a tendência é que os biocombustíveis acabem disputando o mesmo território dos alimentos. Confira:

G1 - Ao incentivar a produção de biocombustíveis, o Brasil contribui para a inflação mundial do preço dos alimentos? Sergio Schlesinger - A minha opinião é que o Brasil contribui sim. O aumento do cultivo de produtos para os biocombustíveis é um dos fatores que contribuiu para essa alta dos alimentos. O Lula, por exemplo, disse que o preço dos alimentos está aumentando porque tem mais gente comendo. Isso é só parte da verdade.

G1 - Quais são as outras partes? Schlesinger - A terra está escassa, a água também, os biocombustíveis concorrem com os alimentos na disputa de território e de água.

Há outra questão, que é a produção de carne. Para produzir carne, você tem que utilizar um território enorme para produzir a ração animal. A questão do modelo de produção de carne é um problema que a humanidade vai ter que encarar. Tanto isso quanto o padrão de consumo dos alimentos. Tanto que você vê que os chineses, na época de Mao Tse Tung, que tinham seus padrões culturais, não passavam fome. Mas agora estão comendo cada vez mais carne. Isso está acontecendo também na Índia, na América latina. Nós mesmos estamos comendo mais frango.

G1 - Uma recente reportagem da revista "Time" fala em uma reação em cadeia gerada pela produção de biocombustíveis, com consequências para países como o Brasil. Ela começaria com a invasão do plantio de soja, que deixa de ser produzida dos EUA, por ter perdido espaço para o milho. A soja passa a ser plantada no espaço usado para criação de rebanho. E, sem lugar para criar o gado, os pecuaristas devastam a Amazônia para criar bois. O sr. Concorda com essa tese? Schlesinger - Esse é só um dos lados. Aqui no caso do Brasil, esse deslocamento também está acontecendo muito por conta da cana-de-açúcar. São Paulo é o estado que mais produz cana no Brasil. Nesse estado, cresce a plantação de cana e diminui todo o resto. E diminui muito a área de pastagem, porque a terra está muito valorizada e não fica mais apropriada para criar gado.

São Paulo teve uma redução enorme do rebanho bovino e da produção de leite. Muitas dessas regiões não tem nem mais leite para consumo próprio. Com isso, o preço do leite para essas regiões cresce ainda mais.

Com relação aos EUA, o problema do etanol americano é o que mais impacta na questão do preço dos alimentos no mundo inteiro. Aumenta a área plantada com o milho - Brasil e Argentina são os que mais expandem a produção de soja para compensar e para ajudar no consumo da carne de outros países.

Com a produção do etanol, aumentou o preço do milho, um alimento humano forte. Aumentando o preço do milho e da soja, aumenta o preço da carne e dos laticínios. E começa uma reação em cadeia.

Isso liga a uma outra questão, que é a questão do clima. No Brasil, já há problemas no Rio Grande do Sul. Ou pela seca, ou pela geada. E isso também contribui para aumentar os preços dos alimentos.

G1 - Então, mais do que alimentar, o sr. Diria que a crise é ambiental? Ou as perdas são da mesma dimensão? Schlesinger - A crise é econômica, social e ambiental. Fortemente social e ambiental à medida que aumenta o preço dos alimentos. Lula diz que tem mais gente comendo, mas, ao mesmo tempo, tem gente comendo menos. Ele mesmo diz também que o mundo produz alimentos para alimentar todo mundo.

O problema é o acesso aos alimentos por conta da renda. Quando aumenta o preço do alimento, a renda relativa cai. Quando pensamos nas classes mais pobres da população mundial, tem muita gente reduzindo a quantidade de alimento que consome ou mesmo deixando de comer.

G1 - Qual o melhor e o pior cenário para a próxima década? Schlesinger - No melhor cenário, o necessário seria a redução das emissões de gás carbônico, para reduzir os problemas de clima. Também seria preciso uma mudança desse modelo agropecuário, baseado nas grandes monoculturas, um novo modelo de produção de carnes e de padrões de consumo de alimentos e de combustíveis. Neste cenário, seria preciso pensar em soluções para que a humanidade precise menos de energia. O grande problema é que está se pensando que é possível, sem nenhum problema, substituir toda a gasolina pelo etanol e todo o óleo diesel pelo biodiesel.

O pior cenário é justamente continuar no caminho pelo qual as coisas estão indo. Assim, vamos ter sérias mudanças climáticas, aumento contínuo dos preços dos alimentos. No pior dos cenários há a destruição dos biomas, o aquecimento global e tudo isso.

G1 - Como o sr. Avalia a declaração de que os biocombustíveis são um crime contra a humanidade? Schlesinger - Ela é forte e acho que precisa de uma voz forte. De acordo com alguns critérios de linhas de pobreza, temos cerca de 1,2 bilhões de pessoas pobres. Tem gente que vive com menos de US$ 2 por dia e é uma catástrofe porque realmente estamos vendo o preço do trigo dobrar. Em vez de pensar em alimentar essa grande parcela da humanidade, o mundo pensa em alimentar automóveis e caminhões.

G1 - As críticas vêm, principalmente, de países desenvolvidos - apesar de as opiniões serem divididas, uma vez que os EUA também incentivam a produção do biocombustíveis e de a União Européia ter incentivado a mistura de biocombustíveis nos combustíveis comuns. Mas o sr. Acha que isso pode ser uma maneira de inibir a competição de países em desenvolvimento como o Brasil? Schlesinger - Essa é a visão do governo brasileiro, o seu discurso. Realmente é preocupante ver a União Européia ter uma meta dessas e não ter território nem água suficientes para produzir.

O que me preocupa é o Brasil querer se aproveitar desse cenário para querer aumentar as suas exportações. Essas exportações de produtos primários beneficiam muito pouca gente, em primeiro lugar. Se não fosse isso o Brasil estaria muito bem, porque o Brasil não faz outra coisa se não exportar.

O que me preocupa é que, em vez de estar destruindo a nossa biodiversidade. Com a atual política estamos comprometendo o futuro.

(G1, FGV, 22/04/2008)

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