Texto divulgado em Gana, onde ocorre encontro da Unctad, ataca prioridade à produção de energia, em vez de cultivo de alimentos
O argumento central do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que o ataque aos biocombustíveis é uma espécie de complô do mundo rico, acabou sendo enfraquecido ontem mais ou menos no momento em que ele deixava a reunião da Unctad, em Acra (Gana), para retornar ao Brasil.
Num breve trecho de um documento de 11 páginas, o Fórum para a Sociedade Civil da Unctad, dominado por entidades de países do Terceiro Mundo, aponta o cultivo de biocombustíveis no lugar de alimentos como uma das causas principais da recente inflação alimentar.
"A crise alimentar é principalmente causada por um descompasso entre oferta e demanda. Outra razão é a mudança da produção de comida para biocombustíveis, uma tendência que deveria ser revista e revertida", diz o texto.
O fórum reúne movimentos sociais, grupos de mulheres, sindicatos e igrejas, por exemplo, e se reúne de maneira paralela nos encontros da Unctad.
Além disso, o organismo internacional que historicamente melhor simboliza o Terceiro Mundo, o G-77, soltou declaração anteontem um pouco mais amena, mas que também expressa preocupação.
"Com relação à energia, nós reconhecemos a necessidade de lidar com o tema das fontes renováveis de energia, incluindo biocombustíveis. Atenção especial deve ser prestada à manutenção de segurança alimentar enquanto se produzem biocombustíveis."
Já o primeiro esboço da declaração final da Unctad, que deverá ser divulgada somente no próximo final de semana, também pede cautela.
Análise
"Os países devem trocar experiências e análise, de modo a melhor explorar o uso sustentável de biocombustíveis para que promovam desenvolvimento social, tecnológico, agrícola e de comércio, tendo a consciência de que se deve assegurar o equilíbrio adequado entre segurança alimentar e preocupações energéticas", diz o texto redigido pelos países presentes por acordo.
Hoje de manhã, os biocombustíveis serão o principal tema da conferência da Unctad. Uma mesa-redonda discutirá "oportunidades e riscos para pequenos produtores em países em desenvolvimento".
A polêmica ganhou intensidade quando o suíço Jean Ziegler, relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, qualificou a produção de biocombustíveis como um crime contra a humanidade. O FMI e o Banco Mundial também se fizeram críticas aos biocombustíveis.
(Fábio Zanini, Folha de São Paulo, 22/04/2008)