Em uma manhã recente, um comboio de seis veículos utilitários esportivos negros entrou sem se fazer anunciar em um depósito de madeira, aqui neste município. Quase dez policiais brasileiros saltaram das viaturas, portando pistolas e fuzis. Mas a arma que o gerente da madeireira mais temia estava nas mãos dos agentes da agência nacional de meio ambiente brasileira: fitas métricas de cor amarelo vivo.
"Trinta e oito! Setenta!", gritaram os agentes em meio à madeira amontoada na lama grossa, e rapidamente entraram em ação. Um dos agentes, Mário Rubbo, anotou o volume de cada peça de forma que elas pudessem ser comparadas com as que são declaradas pela madeireira às autoridades estaduais. Discrepâncias podem significar multas e processos criminais.
Esta é a Operação Arco de Fogo, a intensa campanha do governo brasileiro para conter a destruição ilegal da Floresta Amazônica. O objetivo é avisar que o governo está falando sério no que se refere à proteção da maior floresta tropical que resta no mundo, mas até o momento a operação gerou controvérsias devido à sua abordagem militarista para salvar as árvores, e os resultados iniciais têm sido menos que promissores.
A operação teve início em fevereiro passado, depois que novos dados de satélites revelaram que o desmatamento aumentou na segunda metade de 2007, após três anos consecutivos de declínio. Os novos dados sacudiram o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vem tentando desempenhar um papel maior nas discussões a respeito da mudança climática global, em meio às crescentes indicações científicas de que cerca de 20% das emissões anuais de gases causadores do efeito estudo provêm das derrubadas das florestas tropicais, incluindo as queimadas, a decomposição da matéria orgânica das matas e a degradação do solo.
O governo afirma que gastará US$ 118 milhões no decorrer do próximo ano para inibir a atividade das madeireiras ilegais. Ele mobilizou aproximadamente 600 funcionários em três Estados - Mato Grosso, Pará e Rondônia -, bem como 175 carros e caminhões, e quatro aviões. Durante os primeiros dias da operação, a polícia descobriu grande quantidade de madeira escondida, às vezes enterrada e invisível para a fiscalização aérea.
Segundo Kezia Macedo, analista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Brasília, as autoridades já aplicaram um total de US$ 18,4 milhões em multas, detiveram 19 pessoas e apreenderam mais de 40 mil metros cúbicos de madeira. A madeira foi transferida para os governos locais.
Mas os desafios são tremendos. A Amazônia é vasta, com cerca de 3,4 milhões de quilômetros quadrados ainda cobertos por florestas. Os 48 policiais e 24 agentes envolvidos na Operação Arco de Fogo tornam-se minúsculos diante do território no norte do Mato Grosso. Este é um dos motivos pelos quais os agentes concentram-se mais nos gargalos pelos quais a madeira precisa ser transportada, abordando madeireiros que entram e saem em Alta Floresta, uma cidade de cerca de 50 mil habitantes no norte de Mato Grosso.
O governo federal já tentou combater o problema com operações policiais em outras ocasiões, especialmente no início de 2005. Mas tais esforços foram apenas esporádicos. Desta vez as autoridades governamentais dizem que pretendem criar operações permanentes na região a fim de controlar a saída de madeira da floresta, e manter a pressão sobre os madeireiros.
A tensão era alta nos primeiros dias do programa em Tailândia, uma cidade no Estado do Pará, onde os madeireiros uniram-se às autoridades locais para protestar e assediar os agentes envolvidos nas operações.
Aqui no Mato Grosso, um enorme Estado agrícola brasileiro no qual ocorreu a maior parte do desmatamento, os agentes do Ibama estão se defrontando com um poderoso governador, Blairo Maggi, o maior produtor de soja do mundo, conhecido no Brasil simplesmente como "O Rei da Soja". Embora nos últimos anos Maggi tenha suavizado a sua retórica quanto ao desmatamento, ele continua sendo um defensor ferrenho da expansão agrícola.
Nos últimos dias o governador teria procurado marcar uma reunião com Lula para discutir a Operação Arco de Fogo. Falando reservadamente, os agentes do Ibama sugerem que Maggi exerce forte influência sobre a agência de proteção ambiental do Estado do Mato Grosso. Os agentes estaduais contestaram o método de medida do volume da madeira utilizado pelo Ibama e criticaram o sistema de detecção do desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Tanto a agência federal quanto a estadual foram alvo de acusações de corrupção. Em 2005, Maggi foi obrigado a demitir o seu secretário do Meio-Ambiente, depois que este foi acusado de receber propinas, embora as acusações não tenham sido provadas.
Em Alta Floresta os agentes do Ibama são chefiados por Rodrigo Almeida, um ex-agente de viagens que está no Ibama há 14 anos. Eles procuram agir discretamente e recusaram-se a deixar que seus rostos fossem fotografados, temendo que fossem identificados e virassem alvos de intimidação. "Sem dúvida existem muitos interesses envolvidos nesta operação", afirma Glauco Saraiva, o delegado de Polícia Federal responsável pela Arco de Fogo em Alta Floresta.
Após ter se mantido em uma média anual de 20 mil quilômetros quadrados na década de 1990, o desmatamento no Brasil caiu para 11 mil quilômetros quadrados por ano em 2006, antes de voltar a subir no ano passado. De agosto a fevereiro uma média de 700 quilômetros quadrados de florestas foi desmatada por mês, de acordo com o Inpe.
É difícil dizer se os agentes estão conseguindo reverter este quadro. De acordo com o instituto de pesquisas espaciais, durante fevereiro, o primeiro mês da operação, o desmatamento no Brasil aumentou 13% em relação a janeiro, sendo que 88% das derrubadas ocorreram em Mato Grosso.
Almeida, 35, afirma que esse aumento alarmante ressalta a necessidade da campanha do governo. Em Alta Floresta, Lindomar Della Justina, o presidente do sindicato local dos madeireiros, diz que os agentes do Ibama estão travando uma batalha perdida. "Se o governo paralisar a atividade aqui, isto acabará com o desmatamento?", questiona ele. "Não, não acabará".
Rubbo, o agente do Ibama, basicamente concorda. "Estou em um jogo que estamos fadados a perder", admitiu ele. "O placar da partida é de 12 a 1 contra nós, e só temos dois minutos para reverter o resultado. De qualquer maneira, procuro fazer a minha parte aqui".
Autoridades da indústria local, como Della Justina, não estão satisfeitos. Elas dizem que a Operação Arco de Fogo está paralisando o comércio em uma cidade de trabalho, que respondeu ao apelo do governo militar na década de 1970 para que os brasileiros colonizassem a Amazônia antes que os estrangeiros o fizessem.
"Esta estratégia de nos algemar está acabando com a nossa moral", reclama Vicente da Riva, o presidente da associação rural de Alta Floresta.
Na sede local do Ibama, os agentes estudam dados do instituto espacial e do Google Earth em computadores. Um grande papagaio grita de vez em quando do telhado, perto da mesa de jantar na qual os agentes fazem os relatórios sobre as suas missões.
Um chamado foi feito recentemente às 9h. Um caminhão suspeito de carregar madeira ilegal foi pego na estrada rumando para a cidade. Três agentes do Ibama foram despachados para as instalações da Polícia Federal, onde o caminhão estava retido.
Chegando lá, um dos agentes, Otaciano Matos, tirou uma fita métrica da sua maleta grená. Ele logo anunciou que a contravenção era evidente: o caminhão não tinha placa e o motorista não possuía documentação que comprovasse a origem e o destino da madeira. "Madeira ilegal", anunciou simplesmente Matos.
Mais tarde, naquele mesmo dia, um grupo de cinco agentes do Ibama dirigiu 13 quilômetros até uma região fora da cidade para realizar uma blitz da meia-noite. Almeida, o líder da equipe do Ibama, usando uma máscara de esquiador para proteger-se dos mosquitos, explicou que os agentes apreenderam vários caminhões neste ponto em que duas estradas de terra se encontram, formando a estrada principal que conduz à cidade.
Ele disse que os madeireiros ilegais preferem viajar na calada da noite. Enquanto a lua brilhava por entre as nuvens, os agentes reuniram-se em um círculo, fumaram cigarros e contaram casos sobre as suas cidades natais.
"Rodrigo, nós estamos fazendo aquilo que dá resultados?", perguntou Paulo Iribarrem, um corpulento funcionário que trabalha há 17 anos no Ibama, rompendo um silêncio momentâneo.
"Não se preocupe amigo, este é apenas o primeira estágio da operação", respondeu Almeida. "Há mais coisa pela frente".
Os agentes pararam um carro de passageiros, e duas motocicletas passaram pelo local. Mas após quase duas horas de espera, sem que nenhum caminhão carregado de madeira tivesse aparecido, eles recolheram o material e foram para casa.
(Alexei Barrionuevo Em Alta Floresta e Mery Galanternick, no Rio de Janeiro,
UOL, NYT, 22/04/2008)