Na África, presidente diz que prepara "batalha" contra acusações de países ricos aos efeitos do álcool nos preços dos alimentos
Brasileiro também critica protecionismo e afirma que subsídios agrícolas dados por nações desenvolvidas pressionam os preços
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou ontem que está disposto a uma longa campanha internacional para defender os biocombustíveis e denunciar os países ricos, como fez durante os três dias de sua visita oficial a Acra, capital de Gana, no oeste africano.
Em uma rápida entrevista após participar de um painel sobre desenvolvimento africano na reunião da Unctad (órgão da ONU sobre desenvolvimento), Lula disse que "a batalha nem começou". "Ainda estamos na fase das estratégias intelectuais, ou seja, dos cientistas", declarou. Foi uma referência à conferência que o presidente brasileiro anunciou que realizará em novembro, no Brasil, com especialistas, para pesar os benefícios e o impacto dos biocombustíveis sobre a produção alimentar.
Em seguida, contemporizou um pouco, apesar de repetir que se trata realmente de uma guerra. "Eu acho que é uma guerra em que o mundo vai ganhar, não é o Brasil", afirmou.
Ontem, Lula indicou mais um culpado pela inflação alimentar. No discurso ao plenário da Unctad, apontou os subsídios pagos por europeus, norte-americanos e japoneses, entre outros, a seus agricultores como fator gerador da alta.
"A carência que hoje observamos [na produção de alimentos] está relacionada com as práticas protecionistas dos países ricos. A produção de alimentos em países em desenvolvimento foi muito desestimulada pela existência de produtos subsidiados no mercado internacional", afirmou Lula, em discurso lido.
O presidente já havia apontado a alta do petróleo e a produção de álcool oriundo do milho pelos norte-americanos como causas do problema de encarecimento dos alimentos.
Ontem, ele voltou a fazer essa crítica. "Produzir biocombustível de alguma coisa que sirva para ração animal ou humana não é prudente, porque você vai encarecer o preço do porco, do frango. Não compensa."
Em seu programa de rádio no Brasil, Lula também abordou o tema dos biocombustíveis e disse que não aceitará "meia conversa" sobre essa questão e que pediu à ONU um levantamento profundo sobre o motivo da alta dos alimentos.
Subsídios
Ao lado do presidente, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acusou os países ricos de adotarem uma "tática diversionista" ao fazer a ligação entre os biocombustíveis e a inflação dos alimentos, como forma de evitar o debate sobre seus subsídios agrícolas.
"O que não pode é, num momento como este, em que lutamos para pelo menos reduzir os subsídios, haja essa tática diversionista, para dar a impressão de que há outra razão que está impedindo o desenvolvimento agrícola. Isso é uma tremenda cortina de fumaça."
Lula, em seu discurso à Unctad, também criticou acordos bilaterais promovidos por países ricos com o mundo em desenvolvimento. "Preferências comerciais concedidas pelos países mais ricos podem ser benéficas no curto prazo. Mas, na maioria dos casos, apenas protelam a solução dos problemas estruturais que dificultam o desenvolvimento." Para o Brasil, esses acordos enfraquecem o impulso para a conclusão da rodada Doha da Organização Mundial do Comércio.
Em discurso no encontro da Unctad ontem, o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Ban Ki-Moon, reforçou a cobrança do Brasil. Disse que a cotação elevada dos preços agrícolas cria uma oportunidade para a redução dos subsídios agrícolas nos países desenvolvidos, o que reduziria as distorções comerciais e a pobreza no mundo.
Ban defendeu que seja definido um acordo comercial global para a redução das barreiras comerciais, o que ajudaria a atenuar a atual onda de aumento de preços, segundo ele.
(Fábio Zanini, Folha de São Paulo, 22/04/2008)