Secretaria de Assistência Social estuda parceria para melhor recepção de índios na cidade
Este sábado traz à mente a letra do compositor Beto Gil. Não porque é o Dia do Índio, mas porque a realidade do que se cantou continua a se repetir. “Homens de poder e prazer/ Submersos em vaidade/ Fingem não conseguir ver/ Os índios da cidade”. Enquanto uma parte da sociedade responde aos apelos escritos em um português improvisado, copiado por indígenas não-alfabetizados em busca de auxílio, as autoridades revezam as desculpas sobre responsabilidades. A verdade é que o município - assim como outras cidades do Estado que recebem índios em época de festa para comercializarem produtos artesanais - não possui estrutura nem mesmo políticas públicas direcionadas às etnias. Alguns programas e a boa vontade de um ou outro governante, resolvem em tese, o problema dos índios. Mas, por melhor que seja a solução, é apenas provisória. Atualmente, estão instaladas na cidade pelo menos 16 famílias divididas entre grupos de kaingangs e guaranis. A ameaça de ficarem mais tempo do que o de costume em Santa Maria mobilizou a
Secretaria de Assistência Social, Direitos Humanos e Cidadania. O objetivo é unir os órgãos competentes e resolver a questão de forma permanente, mas humanitária.
O secretário Pedro Luiz Maboni marcou para a próxima semana um encontro com o responsável pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em Passo Fundo, João Alberto Ferrarezi. A idéia é reunir, caciques representantes da duas etnias de passagem pela cidade.
“O que a sociedade espera do poder público? Uma construção para abrigar esses povos? Certo. Mas, para que etnia doaremos essa área? Que tipo de casa será edificada?”, questiona. Maboni lembra que por vezes a administração municipal tentou reunir diferentes grupos indígenas em um mesmo local. O resultado da medida, que deveria ser positiva dentro de um contexto social, por pouco não foi trágico. “Mesmo os índios da etnia kaingang - que são mais sociáveis, mais organizados - estranharam os grupos que não são da mesma região. Estes e os guaranis então... é uma questão de cultura e teremos de encontrar um meio termo para resolver a situação. Não será fácil agradar a todos, mas a maioria está nos nossos planos”, confidencia, idealizando uma Casa de Passagem para índios em Santa Maria.
O secretário, que além de Administração, possui formação na área de Estudos Sociais, lembra que cada vez mais comunidades de índios buscam meios para serem reconhecidas como populações diferenciadas e terem, conseqüentemente, acesso a políticas atentas às suas especificidades em áreas como saúde, cultura, trabalho e educação. “A gente (referindo-se ao governo municipal) fica numa situação difícil, já que são povos protegidos por legislação específica. Mas, sabendo que eles estão passando dificuldades, não ficaremos de braços cruzados. São seres humanos como nós e merecem toda atenção”, afirma.
Sua pasta não possui políticas públicas voltadas ao auxílio de povos indígenas, mas segundo ele, há programas de apoio que são acionados quando necessário.
O representante do poder público lembra ainda que uma grande fatia da população acredita que os índios procuram as cidades para esmolar, quando isso está aquém da verdade. “Basta conhecer a cultura desses povos para ver que eles querem espaço para realizar suas atividades comerciais e dessa forma garantir o sustento. Quando nos procuram aqui, na secretaria, trazem consigo muita dignidade, deixando claro que a condição é temporal e que estão cheios de perspectivas”, destaca.
Segundo Pedro Maboni, um desafio para gestores e também para a sociedade, que, em face desta realidade, se vê obrigada a repensar seus conceitos sobre o que significa ser índio e sobre como estas populações devem ser tratadas. “Dia 19 é um dia importante para nós. Parece que nesse dia as pessoas percebem a gente. Na verdade estamos aqui desde a Páscoa vendendo cestas, enfeites e balaios. E como os produtos artesanais ainda não acabaram, não conseguimos voltar para casa”, conta o pequeno Cassiano Salles, de 10 anos, que na tarde de sexta-feira (18) ajudava seus familiares a comercializarem as últimas peças confeccionadas pelo grupo kaingang que está situado na rua Pedro Santini, próximo à Estação Rodoviária.
RS abriga 25 mil índios
Quando se pensa em índio, natureza é quase sempre uma associação imediata no imaginário nacional. Um estereótipo que, ligado a outros como o da nudez e do corpo pintado, colabora com a idéia de que o índio “deixa de ser índio” quando vem para território urbano. Para Rafael Ávila, 33, administrador substituto da Funai de Paço Fundo, a dúvida popular quanto a ser possível preservar a comunidade indígena no contexto da cidade “baseia-se no preconceito humilhante de que o índio pertence à mata e deve permanecer em sua aldeia.”
Os próprios movimentos de sobrevivência dos grupos étnicos procuram as cidades (no Rio Grande do Sul, especialmente Caxias do Sul, Farroupilha, Santa Maria, Bento Gonçalves) como resposta ao que já perderam para o que muitos chamam “progresso”.
Como não há terra para todas as famílias, a Funai procura atentar para as condições que os grupos indígenas vivem nos centros urbanos. “É preciso que os locais sejam adequados para a sua permanência até que voltem para a reserva ou acampamento de origem. É sobre isso que deveremos tratar em Santa Maria na próxima semana”, lembra.
Terra própria e espaço de educação
Luís Cláudio da Silva, 44, coordenador ambiental do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é um antigo defensor dos interesses indígenas. Ele informou que a prefeitura estabeleceu na última semana, um diálogo sobre o assunto com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), através da professora Ivana Mânica da Cruz, que está a trabalho em Manaus. A idéia é criar um espaço de educação que seja oficialmente destinado aos índios oriundos das 27 reservas e acampamentos do Estado do Rio Grande do Sul, que em períodos de festas se deslocam para a região central em busca de comercialização de produtos artesanais. “Apesar de estarem sempre de passagem, nem todos os grupos visitam a cidade nas mesmas épocas. Sabemos que o município não possui área para doação, mas o governo sim, tem terrenos federais que hoje pertencem aos militares e a própria Universidade e que poderiam ser relocados para as etnias”, sugere.
O coordenador frisa que o município gasta seus recursos com o atendimento aos índios quando estes possuem órgãos específicos para tal, como Fundação Nacional do Índio (Funai) e Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Mesmo assim, não consegue atender como deveria os grupos visitantes.
Silva cita que até por uma questão de cultura: kaingang e guaranis são completamente diferentes. Os primeiros, mais organizados. Atentos às sugestões. Os outros povos, são considerados prioritários para a Funai em todo o país. “Os guaranis estão sendo vistos como os que mais precisam de atenção especial e é uma realidade que inclui Santa Maria. São estes grupos que pretendem ficar na cidade por pelo menos mais cinco meses”, resgata ao mencionar as famílias que estão instaladas no Arenal (saída para São Sepé). Para o coordenador, o importante é que a população entenda que os índios não querem assistencialismo. “Infelizmente, lidamos com um preconceito de séculos. Por isso a sugestão de criar em Santa Maria um espaço para troca de visões de mundo, onde as posições de brancos e indígenas sejam compartilhadas”, defende. O espaço de educação lembra o fabulista grego Esopo: “ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar”.
(Por Elen Almeidah, A Razão, 19/04/2008)