No atol de Bikini, nas ilhas Marshall do Pacífico, os cocos continuam impróprios para consumo. A informação é irrelevante para as revistas científicas, mas serve de contrapeso à recente descoberta do “reflorestamento” por corais, da cratera marinha formada pelo maior teste nuclear da história dos Estados Unidos.
Zoe Richards trabalha no Centre of Excellence for Coral Reef, na Austrália, e fez parte da equipa internacional que foi ao atol cinquenta anos depois do último ensaio nuclear que se deu no local. O objectivo da missão era investigar o estado da cratera Bravo em termos de biodiversidade, mas o grupo de cientistas levou um medidor de radiação para uso e cuidado pessoal. “Os cocos são muito radioactivos, bem mais do que o ar”, disse a cientista ao PÚBLICO, por correio electrónico.
A Universidade das Ilhas Marshall projectou a viagem. “Nenhuma investigação tinha sido feita no atol. Tendo em conta o seu passado nuclear, seria uma localização fantástica para se fazer um estudo”, sublinhou Richards, que também pertence à Universidade de James Cook, da Austrália. A equipa contou ainda com cientistas da Alemanha, Itália e Havai.
Durante dez dias, os investigadores mergulharam em 19 locais diferentes para observar o estado do atol. “Os corais são fascinantes. São antigos e quase que mereciam estar no seu próprio reino. Para sobreviver, dependem completamente de dinoflagelados [seres unicelulares com características vegetais e animais]”, revela a cientista.
A cratera de dois quilómetros de diâmetro e 79 metros de profundidade resultou do ensaio nuclear Castle Bravo que explodiu a 1 de Março de 1954. O impacto da bomba foi duas vezes e meia maior do que o esperado e originou uma explosão equivalente a 15 mega toneladas, centenas de vezes superior à bomba de Hiroshima.
Este ensaio foi apenas um dos vários que o atol sofreu até 1958. E a partir daqui a ilha nunca mais foi notícia. “É provável que muitos corais novos tenham sido ‘fornecidos’ pelo atol de Rongelap, que fica a sul de Bikini”, diz Richards. Outra hipótese defende que alguns corais sobreviveram à explosão em fragmentos tendo depois regenerado.
Comparado com um estudo feito ao atol antes dos ensaios, mais de 40 corais diferentes ficaram por encontrar. Os cientistas provaram que 28 espécies estão localmente extintas. “A maioria destas espécies estão adaptadas ao ‘habitat’ protegido das lagoas e não resistem a este tipo de distúrbios”, afirma a investigadora.
O futuro dos corais é um enigma. O agitação local devido à pesca, à poluição e à própria captura de corais combinado com o aquecimento global são pressões constantes. “Gradualmente, os recifes perdem a capacidade de recuperar porque todos estão sob pressão”, diz a cientista. No caso de Bikini foi o exemplo inverso. O impacto foi localizado e os recifes saudáveis que estavam em redor aumentaram a capacidade do atol recuperar.
Os recifes de corais são ecossistemas únicos que albergam uma quantidade enorme de bactérias e outros microrganismos. Um terço de todas as espécies de peixes existentes vive nos recifes. “Os corais são uma mistura verdadeiramente única de toda a vida”, conclui a investigadora.
(Por Nicolau Ferreira, Ultima Hora, 20/04/2008)