'Quando falamos da influência dos biocombustíveis na economia dos grãos, estamos falando do milho dos EUA'
O secretário-geral das Organizações das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-Moon, prometeu criar um grupo de estudos sobre a crise mundial dos alimentos. Dentro da ONU, a pessoa a ouvir sobre isso é o economista Abdolreza Abbassian, secretário do Grupo Intergovernamental sobre Grãos da Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura (FAO): "Quando falamos da influência dos biocombustíveis na economia dos grãos, estamos falando do milho dos Estados Unidos, não da cana-de-açúcar do Brasil", explica Abbassion, um iraniano de 49 anos, há 17 na FAO.
"Não temos nada contra o etanol brasileiro", garante o economista, que antes trabalhou na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e no Fundo Monetário Internacional (FMI). Entretanto, pondera, isso não quer dizer que, no futuro, não possa haver uma relação, ainda que indireta, entre a produção de etanol no Brasil e a redução de terras para a criação de gado e, com ela, o avanço dos pastos na Amazônia.
Em entrevista ao Estado, na sede da FAO em Roma, Abbassion reconhece que os subsídios nos EUA e na Europa inviabilizam projetos de biocombustíveis em países pobres. Mas estima que, independentemente dos subsídios, com exceção do Brasil e de outros poucos que podem produzir álcool da cana, é "discutível" que países da África ou a Índia venham a ter uma produção comercialmente viável de biocombustíveis, como quer o presidente Lula.
A produção de biocombustíveis pode prejudicar a de alimentos?
Pode. Os biocombustíveis introduzem uma nova demanda. Mas nossas afirmações a respeito têm sido tiradas do contexto e por isso estamos nessa confusão. Em junho, quando expusemos nossa posição sobre a influência dos biocombustíveis na economia dos grãos, não mencionamos açúcar. Quando citamos etanol, estávamos falando do derivado do milho. Mas fomos alvo de um bombardeio do Brasil: "O que vocês têm contra o nosso etanol?" Nada. Leiam o relatório. Não falávamos do Brasil, que tem uma história de 30 anos de produção sustentável de álcool de cana-de-açúcar. Quando falamos de grãos, estamos falando dos Estados Unidos - o maior produtor, consumidor e exportador de milho. É lógico que, quando uma demanda tão forte de grãos emerge tão depressa, terá de ter implicações. Quem disser que não, deve morar em Marte. No ano passado, 84 milhões de toneladas de milho foram destinadas ao etanol. O comércio mundial de milho é de cerca de 90 milhões de toneladas. Em quatro anos, a produção de milho dobrou. Os fazendeiros americanos foram capazes de aumentar sua produção tão rapidamente, que não só houve milho suficiente para a expansão dos biocombustíveis, mas os EUA ainda exportaram mais, destinaram mais milho a ração de animais e aumentaram ligeiramente seu estoque.
Então, qual o problema?
Os EUA tiveram de reduzir sua produção de soja e de trigo na mesma proporção em que aumentaram a de milho. A partir de março do ano passado, há um gargalo de suprimento de soja. A produção de trigo dos EUA e de outros países também caiu. Resultado: os preços dos dois grãos subiram. E o milho, apesar da produção recorde nos EUA, começou a subir também. Na safra 2007-2008, que termina em julho, os biocombustíveis foram um dos principais fatores, não o único. Houve seca também. Na próxima safra, os biocombustíveis podem ser o fator determinante se os preços continuarem altos.
A soja brasileira pode entrar substituindo o milho para alimentar rebanhos?
O aumento da demanda do milho para o etanol (nos EUA) pressionará o preço da soja. O Brasil é um dos poucos países com tremendo potencial de crescimento da produção de praticamente qualquer coisa, e talvez aumente a produção de soja, para atender à demanda da China e dos EUA, que têm capacidade limitada de expandir o uso da terra. O que acontecerá com as terras destinadas ao pasto? Se elas se deslocarem, irão para onde? Muitos ambientalistas têm nos dito que terão de avançar na floresta. Sabemos perfeitamente que o desmatamento não é para plantar cana. Essa é a cadeia que torna o biocombustível responsável. O grau de influência dele é assunto para futuras pesquisas. É um fenômeno recente demais para fazermos análises estatísticas. O que não se pode dizer é que o biocombustível é irrelevante.
(O Estado de São Paulo, 21/04/2008)