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a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 9, de abolir o percentual mínimo de 0,5% do valor de empreendimentos de significativo impacto, a título de compensação ambiental, a perspectiva é que cada obra assim classificada, deva se submeter a índices a serem definidos pelo órgão licenciador. Isto, na prática, pode significar a inclusão desta exigência no Termo de Referência dos Estudos de Impacto Ambiental, remetendo o assunto à esfera individual de cada empreendimento.
De acordo com a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC/Lei 9.985/2000), regulamentada pelo Decreto 4.340/2002, empreendimentos de significativo impacto ambiental deveriam destinar 0,5% de seu valor a unidades de conservação – para a manutenção ou criação de parques, reservas biológicas e outras áreas protegidas federais, estaduais e municipais. Em 2004, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) na qual contesta a incidência dos 0,5% sobre o valor do empreendimento. Na avaliação da CNI, o percentual deveria ser cobrado sobre o valor dos danos ambientais, e não sobre o montante da obra, daí a argüição de inconstitucionalidade. Segundo uma fonte da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), que não quis se identificar, "a lei [do SNUC] diz que empreendimentos de significativo impacto ambiental devem apoiar a criação de Unidades de Conservação, mas está vago o que é significativo impacto". Esta seria a razão de o segmento industrial ter recorrido: "Não ficou claro para ninguém o que é significativo impacto", comenta o executivo.
Na última quarta-feira (16/04), estava na pauta da Câmara dos Deputados o projeto de lei 266/2007, dos deputados Rogério Lisboa (PFL/RJ) e Márcio Junqueira (PFL/RR), prevendo uma saída intermediária entre o mínimo de 0,5% e nenhum limite padronizado: a fixação das compensações entre 0,2% (mínimo) e 0,5% (máximo) sobre o valor de obras. Isto transformaria o valor mínimo em máximo, criaria um novo mínimo, mas não resolveria o cerne da questão alegada pela CNI, que é a incidência sobre o valor do empreendimento, e não de seus respectivos danos.
A matéria, decidida pelo STF, abre controvérsia, uma vez que o cálculo dos impactos ambientais, em valores monetários, é tema pendente nas discussões entre economistas. Há várias questões aí implicadas. Uma delas é: como determinar com exatidão a correspondência entre impactos e seu valor? Outra pergunta de agenda recorrente nos debates socioambientais: É possível sempre estimar um bem ou serviço ambiental em valores econômicos, ou seja, quais as implicações de se considerar o meio ambiente apenas como bem econômico?
Eixo da sustentabilidade A decisão do STF, se por um lado pode ser vista como deslocando o eixo da sustentabilidade em favor dos aspectos econômicos, por outro pode dar maior poder aos órgãos ambientais para arbitrar valores e ainda penalizar empreendimentos com baixo custo de implantação e/ou operação mas com elevados impactos ambientais. No entanto, esta contabilidade não é tão simples assim.
Para alguns economistas ouvidos pela reportagem do AmbienteJÁ, a decisão da corte suprema brasileira é um retrocesso porque implica a valorização do princípio do poluidor-pagador, segundo o qual toda atividade econômica pode ser permitida, desde que o empreendedor esteja disposto a compensar seus danos. "O princípio está equivocado porque certas atividades com risco de grave poluição não deveriam ser executadas", afirma o economista Carlos Schmidt, professor e vice-diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com ele, "boa parte das tecnologias se referenciam em custos e abrem espaços para a poluição e danos graves". "Já que não há leis para proibir riscos, uma situação intermediária deveria ser estabelecida, que é o máximo custo para a atividade de grande potencial poluidor", avalia. Schmidt acredita que este tipo de decisão "vem no bojo do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal], que considera que o meio ambiente atrapalha o crescimento econômico".
A idéia de se incluírem os custos ambientais na contabilidade das empresas – suscitada pelo projeto de lei 266/2007 – pode, na avaliação de Schmidt, significar um ganho para as empresas "porque esses custos poderão ser abatidos no Imposto de Renda", observa. Por outro lado, ele considera que esta nova leitura contábil pode repercutir negativamente no valor acionário das empresas. "Não podemos ignorar o contexto, mas há uma situação de correlação desigual de forças, favorável ao capital e desfavorável ao ambientalismo", resume.
DepleçãoO pesquisador José Antônio Fialho Alonso, da Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul (FEE/RS), entende que "qualquer atividade econômica que cause impacto negativo ao meio ambiente significa uma redução nas possibilidades de sustentabilidade". "São danos que geram passivos nem sempre fáceis de se medir", aponta o Alonso. "Se não se pode avaliar, como se vai jogar na contabilidade um valor referente ao dano?", questiona.
O economista da FEE vê esta situação como um custo a ser absorvido pela sociedade, com passivos estimáveis a partir da escassez de recursos (bens ou serviços) ambientais. Ele cita como exemplo a questão da água: "Se cada pessoa, na cidade, necessita, em média, de 250 litros diários de água para satisfazer suas necessidades, a poluição ou uso excessivo de água, por exemplo, por atividades agrícolas como o cultivo de arroz, é um passivo ou dano que será avaliado pela escassez e conseqüente elevação do custo desse bem", explica. "Sou contra apenas a estabelecer penalidades pelo dano, pois alguns são irreparáveis. As empresas sempre vão achar que estão pagando muito, e os interesses públicos são mais difíceis de avaliar", diz.
A reportagem tentou, mas não conseguiu, na sexta-feira (18/04), contato com a gerente de Meio Ambiente da CNI, Grace Nogueira Dalla Pria.
(Cláudia Viegas, AmbienteJá, 22/04/2008)