Enquanto os grandes veículos de comunicação do Rio Grande do Sul transformam-se em “panfletos” das propostas e promessas das grandes empresas de celulose, técnicos, ambientalistas e alguns cidadãos gaúchos reagem ao novo zoneamento ambiental aprovado há duas semanas. Um zoneamento que mostra o quanto o governo estadual está aberto às exigências das papeleiras e não às necessidades do povo rio-grandense. “O governo eleito parece ter se apoderado do Estado em prol das empresas que beneficiaram este governo durante o processo eleitoral”, reflete o professor Althen Teixeira Filho, em entrevista concedida por telefone.
Althen não é ambientalista, nem técnico sobre a questão do zoneamento, mas atua como cidadão preocupado com as investidas amistosas dessas empresas no estado, especificamente na metade sul, onde vive. Para ele, “o que todos nós cidadãos devemos fazer é estarmos atentos para essas tantas mentiras que surgem”.
Althen Teixeira Filho é médico veterinário, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e mestre em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres, pela Universidade de São Paulo (USP). Possui doutorado em Anatomia Humana, pela Escola Paulista de Medicina. É pós-doutor, pela Medizinische Universität Zu Lübeck, na Alemanha. Atualmente, é professor da UFPel.
Confira a entrevista.
Como o senhor reagiu, como cidadão, a esse novo zoneamento ambiental?Althen Teixeira Filho – Eu não tenho qualificação científica para fazer avaliação desse novo zoneamento. A minha contribuição nesse campo se dá exatamente como cidadão. Aliás, a própria Constituição exige que eu tenha inserção de opinião sobre questões técnicas. Como cidadão, de que modo analiso esse resultado oriundo da reunião que aconteceu na semana passada? Com extrema preocupação, porque o governo do estado não consegue fazer uma separação muito clara entre o que é administração do estado e o que é a proposta de administração dessas empresas. Com isso, nessa relação promíscua se mistura a atenção do governo eleito com empresas particulares. O governo eleito parece ter se apoderado do Estado em prol das empresas que o beneficiaram durante o processo eleitoral. O financiamento que ele recebeu, juntamente com outros três candidatos que disputaram o cargo, foi bastante questionado, pois sua soma foi bastante vultosa para campanhas eleitorais. Esse é um capítulo à parte que precisa ser discutido também.
Mas, enfim, o governo do estado vem trabalhando em conjunto com as empresas para favorecer os empreendimentos dessas instituições privadas. Por isso, esse governo possui sua administração descaracterizada. Ele está alterando documentos importantíssimos pesquisados e elaborados por seus próprios técnicos, como esse zoneamento.
Como cidadão que está a par desse assunto, como o senhor vê o envolvimento de universidades com as empresas de celulose?Althen Teixeira Filho – A questão dessa relação universidade e empresas não se dá como está sendo colocada pela grande mídia. Aqui no sul do estado, especificamente, a Votorantim colocou a Universidade Federal de Pelotas e a Fundação Universidade de Rio Grande como elaboradoras e cooperadoras do estudo de impacto ambiental dessa empresa, o que não é verdade. O próprio reitor da UFPel (Prof. Antonio Cesar Gonçalves Borges) negou isso em oficio, e a Furg não está fazendo estudo de impacto ambiental da plantação, como afirma a Votorantim, mas sim da fábrica. Se duas universidades não participam desse estudo e eles colocam como tal, eu me pergunto: e as demais como é que ficam? Será que realmente estão fazendo parte desse estudo?
Existe um contrato, é verdade, entre a Votorantin e a UFPel, mas não para elaboração de um estudo de impacto ambiental. E esse contrato tem uma questão bastante preocupante, pois eles exigem sigilo e que apenas os dados permitidos pela Votorantim sejam publicados. Então, veja só, essas pesquisas que existem não são de estudos de impactos e só podem ser publicados com a permissão da Votorantim. Como cidadão, como poderei confiar num trabalho como esse? É claro que a firma vai proibir a publicação daquilo que não lhe interessa, divulgando tão somente aquilo que a beneficia. Trata-se de algo alarmante.
Qual é a sua avaliação da atuação da Ana Pellini à frente Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)?Althen Teixeira Filho – Eu sou professor de anatomia e estou trabalhando e aprendendo muito desse campo da proteção ambiental como cidadão. Como todo cidadão que nos lê tem o direito e o dever de estar atuando. Há uma divisão boba sendo feita, indicando que existem a metade pobre e a metade rica do estado. Essas empresas chegam explorando essa conceituação, e o estado entra junto na exploração dizendo que quer o bem da metade sul. Como assim? O que é isso? Isso é uma afronta. A senhora Ana Pellini nada mais é do que a materialização, do que a ponta de lança, desta proposta equivocada do governo do estado que representa os interesses destas firmas particulares. Ela tem uma atuação absolutamente lamentável. Não conseguimos distinguir, em seu trabalho, o que é em prol das empresas e o que é em prol do estado. Já há uma série de denúncias de que ela vem pressionando técnicos, transferindo pessoas, ameaçando de demissão. Isso, na esfera pública, não é possível. Nós, servidores públicos, temos um regramento intra-constitucional que precisamos obedecer. A essas questões, infelizmente, a senhora Ana Pellini não vem dando atenção. Por isso, parece que a Fepam não tem assessoria jurídica. Por exemplo, essa questão que eu relatei há pouco, de uma burla científica por parte da Votorantim, já foi repassada à senhora Ana Pellini, e a Fepam não fez nada. No dia da audiência pública, ela estava presente quando foi lido o ofício e dito que a UFPel não participava e não autorizava o uso de seu logotipo nesse estudo de impacto ambiental. No entanto, até agora não aconteceu nada. Ora, um órgão público quando instigado, por lei, é obrigado a dar uma resposta em até 30 dias. Já se passaram quase 120 dias, e a Fepam, através de sua administradora, que, lamentavelmente, não vem cumprindo suas obrigações, está extremamente omissa na resposta ao cidadão, embora, ao mesmo tempo, ativa no suporte às instituições.
De que forma é possível conter o avanço e a pressão dessas empresas de celulose sobre o estado e nosso governo?Althen Teixeira Filho – Em relação ao governo do estado, não há nada que possamos fazer, porque ele foi eleito e já antes da eleição se aproximou em ideais e em compromisso com as empresas de celulose. Agora, o que todos nós cidadãos devemos fazer é estarmos atentos para essas tantas mentiras que surgem. Por exemplo, existe a questão das florestas, da qual não tratamos. Nós tivemos uma reunião no Comitê da Agência da Lagoa Mirim, da qual participei como cidadão para escutar o engenheiro Fausto da Votorantim apresentar o projeto da empresa. Eu tive oportunidade de fazer uma pergunta: “Mas senhor Fausto, o senhor acha que isto é realmente floresta?”. E ele me respondeu: “Não são exatamente florestas”. Pronto, então não são florestas mesmo e não há o que questionar quanto a isso. Já o título do projeto é uma grande mentira para a população, porque, se não são florestas, não conseguiremos usufruir dos reais benefícios que uma floresta pode proporcionar. Isso é uma questão básica. Pelos próprios dados publicados pela Votorantim, eles vão criar 1,5 emprego por mil hectares. Vemos pessoas dizendo que serão criados milhares de empregos. Mas como isso? A própria empresa diz que não é dessa forma. E outras atividades rurais dão muito mais emprego do que isso. Aliás, temos uma grande preocupação com o desemprego em áreas específicas, justamente aquelas que atendem a necessidade do campo. Pense bem: o que tem para uma pessoa fazer em cem mil hectares de eucalipto? Cuidar do quê? Fazer o que durante sete anos? Não tem nada lá, só árvores. Por isso, pesquisadores, intelectuais chamam ironicamente isso de florestas do silêncio. O que acontece nesse espaço é uma destruição do solo, uma salinização, uma secagem de rios. Esse projeto é realmente muito danoso e só se mantém por causa da ajuda dos grandes meios de comunicação que repetem uma mentira várias vezes, até que ela se torne uma verdade.
Qual é o primeiro impacto, que podemos prever, com a instalação dessas empresas a partir do novo zoneamento?Althen Teixeira Filho – É o desemprego. É só ir no local dessas plantações que você verá que essas empresas não têm gerado empregos. Existem municípios onde a Aracruz plantou eucalipto em 800 hectares e foram gerados, no máximo, dois empregos. Até então, é quase o dobro do que a Votorantin diz que vai criar. Isso é afastar o cidadão do campo ainda mais. Trata-se de um projeto muito danoso para o Rio Grande do Sul, com o objetivo principal de aumentar a fortuna de quem já é rico, pois o papel produzido será exportado, ou seja, não será para nós.
Como o senhor acha que os ambientalistas deveriam agir nesse momento?Althen Teixeira Filho – Eu não sei se me considero como ambientalista. Considero-me uma pessoa que está buscando uma discussão crítica sobre esse assunto e, assim, preciso lutar de todas as formas para buscar a conscientização da comunidade transmitindo a informação sempre que possível. Essa é a nossa busca. Eu fiz dessas questões problemáticas ações que foram entregues ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público Federal. São ações que contêm toda a documentação que corrobora o que estou afirmando aqui. O que estamos fazendo é bastante positivo, pois precisamos informar as pessoas sobre esse problema. As comunidades estão sujeitas apenas aos grandes meios de comunicação, que, pior do que passar mentiras, veiculam meias mentiras. Essas levam tempo para serem desmascaradas.
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IHU Online, 18/04/2008)