O debate sobre a demarcação das terras indígenas no país foi destaque no Senado nas últimas semanas, desde a suspensão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 9 deste mês, de operação da Polícia Federal para retirar os não-indígenas da reserva Raposa Serra do Sol, no norte de Roraima.
A polêmica ganhou força com declaração, na quinta-feira (17/04), do comandante militar da Amazônia, Augusto Heleno, que afirmou que a política indigenista praticada atualmente no país é "lamentável, para não dizer caótica". Por requerimento apresentado nesta sexta-feira (18/04) pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), o comandante poderá ser ouvido em sessão reservada na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal (CRE), caso o requerimento seja analisado pela comissão.
O norte do estado de Roraima é palco de conflito desde a demarcação da reserva indígena, em 2005, quando foi determinado que os não-índios habitantes da região, como os produtores de arroz, deveriam deixá-la. O enfrentamento se acirrou diante da Operação Upatakon 3, da Polícia Federal, agora suspensa por liminar do STF.Os arrozeiros ameaçados de retirada representam 1% da população local, mas são responsáveis por 6% da economia do Estado.
A questão tem dividido opiniões no Plenário e nas comissões. Em audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), no dia 10 deste mês, a senadora Fátima Cleide (PT-RO) teceu duras críticas à decisão do STF, fundamentada na alegação de que a reserva se localiza numa região de fronteira, devendo ser tratada como área de segurança nacional. Os críticos da política indigenista do governo lembram ainda que, enquanto brasileiros não-indígenas não podem entrar nas reservas, organizações não-governamentais têm livre acesso a esses locais, sem fiscalização.
- Por que, quando falamos do direito à terra para o índio, isso é considerado ataque à soberania, e por que não fere a soberania a propriedade privada do latifúndio? - questionou a senadora.
Já o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) comemorou a decisão da Corte. Os custos da operação da PF, segundo o senador, já beiravam os R$ 20 milhões, dinheiro que, em sua avaliação, poderia ter sido "mais bem empregado em melhorias para os indígenas". Ele também criticou o fato de a população local não ter sido ouvida quando da demarcação da reserva.
O senador Romero Jucá (PMDB-RR), por sua vez, aprovou a suspensão da retirada dos arrozeiros pela Polícia Federal. Jucá defende um entendimento entre ao habitantes da região - indígenas e não-indígenas - baseado na demarcação da reserva em área contínua, mas desde que haja exclusão de pequenas áreas estratégicas para o Estado, como o chamado Vale do Arroz.
Segurança nacional
As críticas feitas à política indigenista nacional pelo comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, assim como por outras autoridades militares, foram duramente rebatidas pelo governo. Representantes de entidades que coordenam a questão indígena no país alegam que a localização das reservas em regiões de fronteira não representa riscos à segurança nacional.
- Os povos indígenas sempre estiveram nas fronteiras brasileiras, defendendo o Brasil. O maior contingente de soldados nas fronteiras é formado por indígenas. As terras indígenas são terras da União e, portanto, tem um caráter de soberania - afirmou Márcio Meira, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), após intermediar reunião do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com representantes dos povos indígenas, na sexta-feira (18/04).
Na avaliação dos militares, o governo privilegia a separação entre índios e não-índios, abrindo espaço para a atuação, nessas áreas estratégicas, de organizações não-governamentais estrangeiras. A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda a desmilitarização das áreas indígenas, o que os militares condenam.
Oposição apóia general
Diversos líderes da oposição manifestaram-se favoráveis às declarações do general Augusto Heleno. O Democratas chegou a divulgar nota oficial nesta sexta-feira em solidariedade ao general, "ameaçado e intimidado porque solicitou mudanças na política indigenista". O partido aponta suposto "clima de insurreição no país".
Já o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), em pronunciamento em Plenário nesta sexta-feira (18), esclareceu que se coloca "a favor do que ele [o general] disse", mas "contra ele se pronunciar". Para o senador, militares da ativa não devem expressar seus pontos de vista sobre questões da política nacional em público. Arthur Virgílio entende que isso demonstra a fragilidade do governo civil.
Assim, para o senador, ainda que seja importante ouvir o comandante na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado (CRE), isso deve ser feito em sessão reservada.
- Não considero saudável para a democracia que um militar de prestígio e da ativa se manifeste sobre um assunto político. Este governo está trazendo de volta a 'Questão Militar' - disse o senador, em referência à participação dos militares no episódio que culminou na proclamação da República no Brasil.
(Por Raíssa Abreu, Agência Senado, 18/04/2008)