O tão badalado progresso tecnológico dos tempos atuais tem um custo, que ainda é pouco divulgado no mundo. No Brasil e em outros países considerados emergentes ainda mais. Cada produto industrializado, embalado, ilustrado com cores ou instrumentado com chips deixa uma carga de resíduos tóxicos. A complexidade da indústria é traduzida em números: pelo menos 75 mil produtos químicos diferentes utilizados em agrotóxicos, farmacêuticos, plásticos, tintas, papéis, e subprodutos do petróleo. Pelo menos mil novos produtos são registrados anualmente em todo o mundo. Os países industrializados, os ricos do planeta, acumulam entre 300 e 500 milhões de toneladas de lixo tóxico. Parte disso acaba nos países do outro bloco, da maioria. Eles chamam isso de política da chaminé alta, porque não podem fabricar determinados materiais em seus países, passam as plantas aos emergentes. Ou descarregam lixo tóxico, travestido de outras marcas.
Alguns escândalos mundiais chamaram a atenção, como o caso do metil mercúrio nos anos 50 – 60, na Baía de Minamata, no Japão. Ou o caso do DES (dietilestilbestrol), um hormônio usado por mulheres nos Estados Unidos, que provocou uma tragédia, com conseqüências nos descendentes – nasceram com problemas mentais, e disfunções em órgãos do aparelho reprodutor. Outro caso mundial conhecido é o envenenamento por DDT, criado pelo cientista Paul Muller em 1938 – ganhou o Prêmio Nobel em 1948 e considerado na época como um “pesticida milagroso”. Desde 1942 foram fabricados 3 milhões de toneladas de DDT, que embora proibido na década de 80, continua acumulado no ambiente – na cadeia alimentar de vários espécies – e ainda é usado no combate aos mosquitos.
Hormônios Detonados
O professor João Roberto Penna de Freitas Guimarães, especializado em perícia ambiental, dá aulas de gestão ambiental para indústrias na Unisantos mandou um recado sobre um artigo a respeito de outros poluentes. Atingem a população sem discriminações. Trata-se dos disruptores endócrinos. É um nome difícil. Mas são produtos químicos que interferem no sistema endócrino do corpo humano, aquele que regula a produção de hormônios. Portanto, interferem em órgãos como os testículos, ovários, glândulas supra-renais, a tireóide, a paratireóide, a pituitária e o tálamo. Ele registra em seu artigo “Disruptores endócrinos no meio ambiente: um problema de saúde pública e ocupacional”.
- Os disruptores podem ser substâncias orgânicas ou inorgânicas. Seu uso pode ser tanto em áreas urbanas ou rurais e podem aparecer como resíduos ou subprodutos derivados de usos industriais dos mais diversos. São encontrados em depósitos de lixo, contaminando solo, lençóis freáticos, mananciais de água, e ainda pela queima de resíduos hospitalares e industriais em icineradores, a exemplo das dibenzo-p-dioxinas policloradas e dos dibenzofuranos policlorados. No lixo domiciliar há disruptores endócrinos, conforme pesquisa de Teves (2001) indica com clareza mercúrio e chumbo encontrados no lixo coletado em São Paulo/SP”.
Galeria de Horrores
As dioxinas recentemente estiveram nas manchetes da televisão do mundo inteiro, porque foram encontradas na mussarela de bufala italiana, vendida a comerciantes da Coréia do Sul. O chumbo também freqüentou o mesmo tipo de noticiário, quando brinquedos da multinacional Matel, fabricados na China, foram proibidos nos Estados Unidos e em vários países, porque a tinta usada continha chumbo. O chumbo é usado em baterias, pigmentos, soldagens, ligas, tintas, gasolina de aviação, já foi muito usado em gasolina comum – proibida em muitos países -, e até mesmo para dar brilho aos cristais industrializados, – mesmo os mais famosos. A lista de problemas no organismo humano causados pela ingestão de chumbo é imensa. Alguns deles: alterações funcionais na tireóide, acumulação no leite materno, atrofia testicular, abortamento espontâneo, passa pela placenta entre a 12ª e a 14ª semana, atinge o cérebro do feto.
É uma galeria de horrores, as conseqüências do uso dessas substâncias. Em 2001, uma convenção internacional listou 12 químicos , a maioria pesticidas, e pediu a proibição . São os chamados POPs (poluentes orgânicos persistentes), assim definidos porque continuam se acumulando no ambiente, entram na cadeia alimentar de várias espécies – peixes e crustáceos, por exemplo -, e acabam sendo consumidos pelas populações. Ainda existem muitos outros. Conhecidos, como os PCB (policloretos de bifenilas), utilizados em transformadores elétricos e fluídos hidráulicos. Proibidos, mas os equipamentos em uso, continuaram contaminando o mundo, porque persistem na natureza por 40 anos. E os ftalatos, utilizados em plásticos para fins industriais, médicos e domésticos. Dos metais, além do chumbo, o cádmio, manganês e o mercúrio. O manganês é usado na produção de ferro e aço, eletrodos para solda, tintas e fertilizantes. O mercúrio na indústria de clorosoda, aparelhos de medição, garimpos, agrotóxicos e tintas. E o cádmio em ligas metálicas, solda, pigmentos, estabilizante de plásticos, cinzas de incineradores e chapas galvanizadas.
3 milhões contaminados
O professor João Guimarães dá outro alerta:
- O uso indiscriminado e irresponsável de pesticidas vem colocando uma população maior de trabalhadores rurais sob risco. Koifman et al (2002) demonstram que em alguns estados brasileiros há uma correlação entre o consumo de pesticidas e manifestações endócrinas na população exposta, com efeitos diretos no aparecimento de infertilidade, câncer do testículo, câncer de mama, câncer de próstata e de ovário”. Na Baixada Santista o problema tem proporções assustadoras existem relatórios da Cetesb sobre a população do Estuário de Santos – Cubatão, indica a presença de diversos poluentes disruptores endócrinos nas águas dos rios e do estuário, além da contaminação do solo, em área de antigos lixões.” A Organização Mundial de Saúde calcula, desde o início da década, em três milhões o número de pessoas contaminadas por pesticidas no mundo. Se levarmos em consideração a lista completa dos poluidores tóxicos, esse número se multiplicará muitas vezes. O caso do cloro, subproduto químico usado como base em diversos ramos industriais, é altamente reativo com compostos orgânicos – baseados em carbono. E das substâncias extraídas do petróleo, entre elas, benzeno, etileno e propileno, fontes da indústria de plásticos.
Mistura pirata
As pesquisas sobre disruptores endócrinos não param de crescer, relata ainda, o professor João Guimarães. “Mais e mais produtos químicos vão sendo acrescidos na lista e seus efeitos vão sendo descobertos junto a homens, mulheres e fetos. Não se vê, contudo, qualquer ação efetiva das autoridades em proibir a fabricação, a venda, o uso comercial de centenas de produtos aqui no Brasil. A demora mais uma vez terá como resultado a contaminação de milhões de pessoas e muitos dos casos sequer serão reconhecidos”, diz ele. No Brasil, segundo levantamentos recentes, cerca de dois milhões de brasileiros vivem sob a ameaça de metais pesados, hidrocarbonetos e outros contaminantes. O pior não é isso. Na onda do aumento da população agrícola, agrocombustíveis, procura maior de fertilizantes – preço subiu de 200 dólares a tonelada em abril de 2007 para 700 dólares em abril 2008 (posto em Sinop, no Mato Grosso, 500 Km de Cuiabá). Um levantamento realizado em 2004, pelo engenheiro Elio Lopes dos Santos, representante do Ministério da Saúde, em empresas do interior de São Paulo, que misturam matéria-prima usadas nas fórmulas de fertilizantes, incluindo micronutrientes – metais usados em pequenas quantidades - constatou. Os fabricantes usaram restos de aciarias, metalúrgicas, siderúrgicas e fundições, onde são encontrados metais como magnésio, zinco, cobre e ferro (necessários ao solo), mas também cádmio e chumbo, altamente tóxicos. Uma questão de redução de custos de produção. Fazem isso com sal mineral de bovinos, usam fosfato agrícola, como fonte de fósforo, que é mais barato.
O progresso da civilização envolve uma imensa montanha de lixo, cada vez aumenta mais. E uma dose minúscula de veneno, que pinga diariamente nas nossos veias.
(Por Najar Tubino*, Eco Agência, 18/04/2008)
*Najar Tubino é jornalista