O Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade (Habis), vinculado à Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP e à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), presta assessoria às famílias do assentamento Sepé Tiaraju, nos municípios de Serrana e Serra Azul, região nordeste do estado de São Paulo. Mais do que capacitar para a construção de 77 casas em sistema de mutirão, o grupo debate com os moradores a adoção de sistemas construtivos, de saneamento ambiental e utilização de recursos naturais e renováveis que não causem impacto negativo ao meio ambiente local.
O trabalho do Habis começou em dezembro de 2005, quando os integrantes do grupo se reuniram com o coletivo dos agricultores do assentamento, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), e representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “O Habis baseia-se na metodologia da pesquisa-ação participativa, que detecta um problema na realidade social e busca soluções com os participantes dessa realidade”, afirma a professora Akemi Ino, da EESC, uma das coordenadoras do grupo de pesquisa. “Não é apenas mostrar como se constrói, mas garantir que as famílias tenham autonomia de decisão, se organizem e encontrem soluções coletivas”.
Os moradores do assentamento, divididos em quatro núcleos, debateram com a equipe do Habis as formas construtivas que seriam adotadas nas moradias. “Houve a preocupação de se usar recursos da própria região nas obras, como no caso das fundações, feitas com a pedra existente numa pedreira nas proximidades”, conta a professora. Foram definidos projetos para moradias de dois e três quartos. “Para erguer as paredes, dez famílias optaram pelo uso de adobe, um tipo de tijolo que não exige queima, reduzindo o gasto de energia”.
Para realizar os mutirões, formaram-se 15 brigadas, que reúnem de três a nove famílias. Todas possuem ao menos uma pessoa com experiência em construção civil, além de receberem capacitação e assessoria técnica do Habis. Os problemas surgidos durante a construção são resolvidos na própria brigada. Casos mais graves são levados para os núcleos, e em última instância, a uma assembléia dos assentados. As obras receberam financiamento do Incra e da Caixa Econômica Federal. “Doze casas já estão cobertas e as moradias devem ser concluídas no final deste ano”, calcula Akemi.
Sustentabilidade
Na parte de saneamento ambiental, a equipe do Habis discute com as famílias soluções de tratamento para o esgoto domiciliar. Atualmente, há duas propostas em discussão, sempre com a preocupação de separar a destinação da “água cinza”, vinda de chuveiros, lavatórios, lavagem de roupas e utilização de pias, da “água negra”, que recebe dejetos humanos. Parte das famílias já aceitou utilizar o “banheiro seco”, que não utiliza água limpa. “Os resíduos sólidos passam por um processo de compostagem, e após seis meses podem ser utilizados na adubação, exceto no caso de vegetais folhosos”, explica Akemi Ino.
A permacultura envolve a utilização de recursos naturais em atividades agrícolas, além de outros usos e em ocupação, sem impactar negativamente o meio ambiente. “A capacitação inclui técnicas de captação da água das chuvas, para utilização em períodos de estiagem, no plantio, rega e outros usos não-potáveis”, conta a professora. “Também estão em andamento estudos para a adoção de energia eólica e solar no bombeamento de águas subterrâneas, de modo a reduzir os gastos com energia elétrica”.
Akemi ressalta que os agricultores do assentamento Sepé Tiaraju já possuem conhecimento em questões de sustentabilidade, originário do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Incra. “Os trabalhadores rurais optaram por uma produção agroecológica, sem utilizar agrotóxicos que possam contaminar o solo e os lençóis freáticos”, afirma. “O assentamento está numa área de recarga do Aquífero Guarani, e a opção se contrapõe ao altíssimo impacto dos produtos químicos usados no cultivo de cana-de-açúcar pelas grandes fazendas da região”.
Coletividade
O Habis também foi responsável pelo Inovarural, que começou em 1998, como um projeto de políticas públicas financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O objetivo era produzir habitação social como alternativa econômica para usos múltiplos da floresta nos municípios de Itararé e Itapeva, região sudoeste do Estado de São Paulo. “Essa região possui a maior concentração de florestas plantadas de São Paulo, mas também apresenta os piores níveis do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)”, aponta a professora.
Inicialmente, o projeto criou um grupo gestor local para implantar atividades relacionadas à cadeia produtiva da madeira em Itararé. A partir de 2002, começaram os contatos com os moradores do assentamento Pirituba, em Itapeva, que resultou num projeto-piloto para a construção de 50 casas rurais. Uma marcenaria coletiva foi criada, sendo administrada por um sistema de auto-gestão que se encontra em fase de incubação na Incubadora Regional de Cooperativas Populares da UFSCar. Ao todo, já foram construídas 42 casas, uma delas em adobe, além de sete projetos de reforma e ampliação.
Em 36 moradias utilizou-se um sistema de cobertura alternativa, feito em madeira de pinus extraída na própria região. A marcenaria também produziu esquadrias com madeiras da região para 36 casas. De acordo com a professora, os resultados mais importantes do Inovarural podem ser vistos nas famílias que participaram do projeto. “Elas tiveram um ganho incomensurável, não apenas em auto-confiança, mas também em consciência coletiva”, destaca.
Além dos programas de capacitação de jovens estudantes do ensino médio, foram produzidas três publicações, conhecidas como Caderno Amarelo (organização coletiva), Caderno Vermelho (funcionamento dos canteiros de obras) e Caderno Verde (implentação da marcenaria coletiva autogestionária). A equipe de assessoria do Habis é formada por pós-graduandos e alunos de iniciação científica nas áreas de Engenharia Civil e Arquitetura, da EESC e da UFSCar. A coordenação é feita pela professora Akemi Ino e o professor Ioshiaqui Shimbo, da UFSCar.
(Por Júlio Bernardes, Agência USP, 17/04/2008)