O Programa Nacional de Produçao do Biodiesel no Ceará tem como principal objetivo incluir os agricultores familiares e os pequenos produtores rurais dos assentamentos da reforma agrária na cadeia de produção do biocombustível.FORTALEZA – Quando existe boa-vontade política, disposição para o diálogo e efetiva participação dos atores envolvidos, a adoção de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico com inclusão social tem maiores chances de conhecer o sucesso. Essa foi a mensagem transmitida por representantes dos governos federal e estadual, dos movimentos sociais e do sistema financeiro que participaram terça-feira (08/04) de mais um encontro da série Debates Carta Maior, realizado em Fortaleza. Em pauta, o promissor início das articulações em torno do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) no estado do Ceará.
Com o título “Biocombustíveis e Agricultura Familiar”, o evento teve como debatedores Camilo Santana (secretário estadual de Desenvolvimento Agrário do Ceará), Valmir Severo (diretor do Programa de Biodiesel do governo cearense), Eduardo Barbosa (engenheiro agrônomo do Incra no Ceará), Ivoneide de Melo (dirigente do MST no Ceará), Vanderlei Magalhães (dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Ceará), Glay Alves de Figueiredo (gerente de Mercado do Banco do Brasil especializado em questões agrícolas) e Roberto Alexandrino (professor do Centro de Ensino Tecnológico do Ceará). Realizado com o apoio da Petrobrás, o debate teve a mediação do diretor-geral da Carta Maior, Joaquim Ernesto Palhares.
O PNPB no Ceará tem como principal objetivo incluir os agricultores familiares e os pequenos produtores rurais dos assentamentos da reforma agrária na cadeia de produção do biodiesel. Para tanto, busca desenvolver no estado o cultivo de mamona que, aliado ao plantio em menor escola a outras oleaginosas como o girassol e o amendoim, deverá abastecer as usinas que produzirão o novo combustível. A principal delas será a Unidade de Produção de Biodiesel que está sendo construída pela Petrobras no município de Quixadá, localizado no coração do sertão cearense. Com previsão de entrada em funcionamento para o fim de 2008, a usina terá a capacidade de processar, segundo a empresa, 150 mil toneladas anuais de óleo bruto para a obtenção do biodiesel.
De acordo com o estabelecido pelo PNPB, as empresas que desejarem conquistar benefícios fiscais a partir da obtenção do Selo Combustível Social no Nordeste deverão adquirir pelo menos 50% de sua matéria-prima junto aos agricultores familiares da região. Essa garantia de compra está estimulando os pequenos produtores cearenses a apostar no cultivo da mamona como uma alavanca para aumentar sua renda. Para estimular a inclusão da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel, o governo, através de instituições financeiras como o Banco do Brasil, entre outras, está também concedendo empréstimo aos produtores que quiserem aderir ao programa.
“No caso da mamona, esse financiamento é de R$ 150,00 por hectare, com um limite máximo de três hectares por produtor”, explica Camilo Santana. Ele ressalta o caráter de inclusão social do biodiesel no Ceará: “O governo estadual se une aos esforços do governo federal para construir um programa que efetivamente garanta a inclusão social desses agricultores. O Ceará tem que aproveitar o presente que recebeu, pois terá uma das três grandes usinas de produção de biodiesel que estão sendo construídas no Brasil”, disse o secretário, que revelou que 24 mil agricultores cearenses já se cadastraram no PNPB.
Mesmo frisando que a hora não é para otimismos exagerados, pois “o programa ainda está muito no início”, Ivoneide de Melo elogiou o processo de diálogo travado em torno do PNPB pelo poder público, pelos bancos e pelos representantes dos trabalhadores rurais: “Nós temos dialogado e nos respeitado, e isso não significa que os movimentos sociais estejam no governo ou que o governo esteja nos movimentos sociais”, disse a dirigente do MST. Vanderlei Magalhães também elogiou a condução das discussões: “Com o PNPB, pela primeira vez o governo federal garante ao agricultor familiar uma forma segura de trabalho e renda, com prazos firmados, assistência técnica e certeza de venda”, disse.
A harmonia entre os diversos atores no Ceará traz boas perspectivas para o desenvolvimento da produção de biodiesel no estado, mas todos concordam que muita coisa ainda precisa ser melhorada. Uma delas é a assistência técnica prestada aos agricultores familiares que, segundo os representantes dos movimentos sociais, ainda não acontece a partir de um modelo novo de relação: “Não basta trazer o pequeno agricultor para a cadeia do biodiesel. É preciso capacitá-lo a opinar sobre as etapas do cultivo da oleaginosa e sua relação com outras atividades como o plantio de feijão ou a criação de animais para leite. O ideal é uma assistência técnica participativa”, avaliou Magalhães.
O secretário de Desenvolvimento Agrário afirmou que “o grande gargalo do programa de biodiesel é a assistência técnica”. Santana revelou que o Programa de Agentes Rurais do governo estadual conta com 700 agentes que prestam assistência nos 18 escritórios regionais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará: “Esse número, no entanto, não é suficiente. O ideal seria ter um assistente para cada 100 famílias de agricultores”, disse Santana.
Outro gargalo que precisa ser superado, segundo os representantes do poder público e os dirigentes das organizações dos trabalhadores rurais, é a dificuldade de acesso ao crédito pelos agricultores familiares. Nesse caso, muito se espera dos bancos oficiais: “Atender a cadeia do biodiesel é prioridade para o Banco do Brasil. Queremos contribuir para uma produção socialmente justa e ambientalmente correta”, afirmou Glay Alves de Figueiredo. O gerente do BB acredita no sucesso do PNPB no Ceará: “Em poucos momentos na história do país se teve uma política tão clara para fortalecer a agricultura familiar”.
O Debate Carta Maior realizado em Fortaleza mostrou que, apesar do muito que ainda resta a fazer, o entendimento entre governantes, agricultores familiares e sistema financeiro aponta para uma experiência vitoriosa no Ceará. Essa realidade, segundo Camilo Santana, já sensibilizou o Palácio do Planalto: “A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) procurou o governador Cid Gomes para dizer que o modelo do Ceará deve servir como piloto para todo o Nordeste”, disse.
(Por Maurício Thuswohl,
Agencia Carta Maior, 13/04/2008)