Nos últimos anos, Robert Watson teve um dos trabalhos mais difíceis do mundo: ajudar governos e produtores que enfrentam os atuais desafios da agricultura e prepará-los para os que se avizinham, ainda piores. A Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola (IAASTD), que já consumiu três anos, procura avaliar os conhecimentos agrícolas com ajuda de governos, da sociedade civil, do setor privado e de centenas de especialistas.
Quando o projeto começou, Watson era o chefe de cientistas do Banco Mundial. Hoje desempenha ao mesmo tempo as tarefas de dirigir o IAASTD e a equipe de cientistas do Departamento de Meio Ambiente e Agricultura da Grã-Bretanha. Watson foi entrevistado da IPS.
IPS - Qual a importância da IAASTD para a segurança alimentar?
Robert Watson - Pela primeira vez, governos de países industriais e em desenvolvimento, a sociedade civil, especialistas em ciências naturais e sociais trabalharam juntos para discutir como obter alimentos accessíveis e nutritivos de maneira ambiental e socialmente sustentável.
IPS - A IAASTD estabeleceu que manter a situação atual na agricultura não é uma opção válida. Por que?
Robert Watson - A IAASTD parte de dois informes anteriores. Em primeiro lugar, a Avaliação de Ecossistemas do Milênio constatou que 15 dos 24 ecossistemas naturais do planeta estão com problemas, em grande parte devido à degradação da terra e da água em razão da agricultura.
Em segundo lugar, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática concluiu que a agricultura é um grande contribuinte para o aquecimento global induzido pela atividade humana. E, ao mesmo tempo, a mudança climática terá um grande impacto no rendimento agrícola. Se nos concentrarmos apenas em aumentar a produção de alimentos, somente conseguiremos mais degradação ambiental.
IPS - O que diz a IAASTD sobre o elevado preço dos alimentos, sem precedentes históricos?
Robert Watson - Muitos fatores incidem nos preços: a variável climática, que origina quedas nas colheitas em algumas regiões, o aumento do custo da energia, a produção de biocombustíveis e a especulação nos mercados futuro. Agora é tempo de nos perguntarmos como aumentar a produção de alimentos, mantê-la acessível e garantir aos agricultores uma vida decente. A IAASTD é nossa melhor tentativa para responder essa pergunta.
IPS - O senhor dirigiu o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática e a avaliação de Ecossistemas do Milênio. Em que a IAASTD se diferencia desses informes?
Robert Watson - Foi absolutamente crítico unir o conhecimento sobre ciências naturais com o conhecimento sobre instituições, comportamento humano e políticas. A maioria dos estudos prévios não conseguiram medir a importância das ciências sociais. Captaram a perspectiva econômica, mas na ao do restante das disciplinas que estudam a sociedade. Não é suficiente atender os conhecimentos tecnológicos sobre como obter mais alimento se não se considerar o impacto dos ecossistemas naturais e os sistemas humanos.
IPS - A IAASTD pede o fim das monoculturas de grande escala?
Robert Watson - Se conseguirmos modificar as monoculturas para que sejam ambiental e socialmente sustentáveis, tudo bem. Mas, não se pode minar a base natural de recursos da agricultura (terra, água biodiversidade, etc) porque, no final, entrará em colapso.
IPS - Por que houve tão pouco debate sobre mudança climática durante o plenário intergovernamental da IAASTD?
Robert Watson - A mudança climática é bastante reconhecida como um sério problema ambiental, de desenvolvimento, de saúde humana e de segurança. Já não é um assunto controvertido. O desafio para nós é como manter e aumentar a produtividade agrícola reduzindo seu impacto no meio ambiente, as emissões de gases causadores do efeito estufa e o uso de combustíveis fósseis no setor. Ao mesmo tempo, devemos adaptar a agricultura à mudança climática. A IAASTD determinou quais tipos de conhecimentos científicos e tecnológicos necessitamos para mudar as práticas agrícolas e lidar com esta realidade.
IPS - O que quis dizer ao afirmar que a IAASTD é “um experimento social único”?
Robert Watson - Todos os setores estiveram envolvidos: governos, sociedade civil, indústria, agricultores, acadêmicos e grandes organizações internacionais como Banco Mundial e Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentaçao (FAO). Se todos esses atores são afetados pelos problemas da sustentabilidade ambiental, social e alimentar, todos deveriam estar sentados em torno da mesma mesa para aproximarem seus conhecimentos e suas experiências para ajudar a resolver nosso problema comum.
Devido à complexidade de pontos de vista, foi um processo incrivelmente difícil e complexo. De todo modo, creio fortemente que esta discussão é o caminho para o futuro, e que pode ser aplicada a qualquer contexto, seja local, regional, nacional ou internacional.
(Por Stephen Leahy, IPS, Envolverde, 16/04/2008)