Estamos vivendo um período de escassez de combustíveis energéticos. A cada dia, cresce a demanda por energia em todos os países do mundo. Se por um lado o petróleo ainda é a principal fonte, por outro, as nações já buscam outras formas de produção de combustível, inclusive menos poluidoras diante da pauta ambiental e do aquecimento global.
Nesta conjuntura, surge os agrocombustíveis como possível solução que contempla todos os setores envolvidos. Mais barato, os combustíveis a base de plantas é a mais nova possibilidade de negócio para países em que ainda restam áreas agricultáveis. Regiões como a Europa, por exemplo, precisaria de, pelo menos, 55% de toda a sua superfície para atender toda a sua demanda energética. Nem se se utilizasse toda a sua área, o Reino Unido conseguiria atender à sua população. Nos Estados Unidos, a demanda exige 60% de seu território.
A incapacidade das grandes metrópoles faz com que a América Latina, o Caribe e a África ganhem atenção extrema diante desta conjuntura. Na nossa região, o modo em que se desenvolve o uso da biomassa tal como vem sendo promovida pelos Governos e corporações significa uma continuação do modelo de produção e consumo de uma sociedade urbana que não quer mudar seus modos de vida para a sobrevivência do planeta. As perguntas são: energia para quem? Para que? Como?
Os agrocombustíveis avançam sobre os agroecossistemas estáveis, com seu solo altamente produtivo, ricos em diversidade biológica e cultural. Esta situação redundará em um maior desmatamento, em desaparecimento de espécies nativas e em perdas das propriedades físicas e químicas dos solos e deslocamento de populações como mão de obra barata e escrava.
Significa também a validação do monocultivo da cana de açúcar, da soja, da palma azeiteira (africana) e de outros produtos que ocupam de maneira crescente o nosso território em detrimento da produção de alimentos. Os primeiros sinais já estão aparecendo na Europa e Estados Unidos, onde segundo o próprio Banco Mundial reconhece que a produção de agrocombustíveis é o responsável pelo aumento de preços dos alimentos, como os cereais, que causa uma crise principalmente nos países pobres que importam estes alimentos. Os protestos no Haiti contra a falta de comida é um exemplo.
Transnacionais
É preciso denunciar também a ação das transnacionais que monopolizam não somente a produção de biomassa em países como a Argentina (Cargill - 21,4% - Bunge - 20,5%- sozinhas representam quase a metade do total de exportações de biodiesel de soja). Ou como no Brasil, em que a plantação de eucalipto pelas empresas como Stora Enso, Votorantim já devastam os biomas originais dos Estados da região sul e sudeste.
Mas as sementes também estão cada vez nas mãos destas transnacionais, desafiando a legitimidade do conhecimento dos povos tradicionais, patrimônio coletivo da humanidade. Biotecnologias como a dos transgênicos, as sementes terminator e transcontainer tentam restringir o uso genético de nossa biodiversidade nas mãos de empresas como a Monsanto (que controla 23% do mercado de sementes e 91% dos transgênicos cultivados), Dupont, Syngenta, líderes mundiais em venda de sementes patenteadas, modificadas geneticamente e, na maioria das vezes, sem as análises de risco ambiental e toxicológica necessárias.
O discurso da biossegurança, utilizadas por estas empresas para justificar esterilizações de sementes não esconde a real tentativa de proteção de suas patentes e de seu monopólio. A negação ao reconhecimento das sementes crioulas e tradicionais, que já sofrem com a contaminação por sementes transgênicas, provoca a marginalização dos agricultores que as utilizam.
É preciso garantir o direito dos povos tradicionais e dos camponeses, de participar na tomada de decisões referentes à conservação e utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e agricultura. É necessário garantir o acesso a esses recursos fitogenéticos e à repartição dos benefícios decorrentes da sua utilização. É preciso também garantir a proteção do conhecimento tradicional.
Saúde ameaçada
Outra questão que atenta contra a segurança alimentar é o aumento do uso de herbicidas e outros agrotóxicos, necessários para o cultivo de sementes geneticamente modificadas. As vendas mundiais já alcançam US$ 30 bilhões. Só na América Latina, são mais de US$ 4 bilhões em herbicidas vendidos aos agricultores para uso em suas lavouras. As conseqüências sociais já são visíveis. Estima-se que se tenha entre 2 e 5 milhões de casos e envenenamento por herbicidas em nível mundial a cada ano. Destes, aproximadamente 20 a 40 mil, segundo a Organização Mundial de Saúde, são fatais. Algumas fontes estimam que o número de intoxicações chegam a 25 milhões/ano (Knirsch, 1994).
(Via Campesina, Adital, 16/04/2008)