A tenda de circo, em frente ao Congresso Nacional e em meio a dezenas de barracas de lona, serve de palco para a articulação de estratégias que visam a garantir os direitos dos povos indígenas no Brasil e aprimorar o controle social das políticas públicas. A conversa inclui temas como direitos indígenas e política indigenista, o Estatuto dos Povos Indígenas e a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, além de outros assuntos polêmicos, como o caso da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol, em Roraima.
Na abertura do quinto Acampamento Terra Livre, nessa terça-feira (15/4), Jecinaldo Sateré-Mawé, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), afirmou que um dos grandes objetivos da mobilização é alertar a sociedade brasileira sobre as diversas violações dos direitos dos povos indígenas no País e o quanto a questão indígena não recebe a devida prioridade. Citou como exemplo a TI Raposa-Serra do Sol, em Roraima, onde arrozeiros, que deveriam ter deixado o local há 3 anos - quando a demarcação da área foi homologada - ainda ali permanecem. Na semana passada, em 9/12, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu suspender a desintrusão da TI, que havia sido iniciada pela Polícia Federal, no final de março. Segundo ele, é um retrocesso, que mostra que “o STF cedeu a meia dúzia de terroristas”. Mas ele afirma que os indígenas não vão ceder: “Se o Supremo decidiu isso, quer dizer que teremos de lutar – até o último índio, se for preciso – pela nossa terra, nossa mãe. Nós vamos continuar resistindo a esse descaso. Não podemos ficar calados”, declarou.
A assessora jurídica do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Joênia Wapichana, explicou que, na visão dos povos indígenas, uma decisão do STF que suspenda ou reduza a área da demarcação já homologada será inconstitucional e poderá, ao retroagir sobre direitos já conquistados e criar esse tipo de jurisprudência, afetar outras Terras Indígenas que estejam em análise pela Corte: “É uma violação de direitos, se isso ocorrer. A decisão sobre a Raposa-Serra do Sol vai atingir todos os povos indígenas do país e o movimento indígena espera que as autoridades não dêem um direcionamento político ao caso. Nós não aceitamos que uma decisão política venha a interferir em direitos alcançados, principalmente em um caso emblemático como este, que se arrasta há tantos anos”.
Foram colocadas na pauta do primeiro dia do acampamento, a questão da saúde indígena – que afeta principalmente as crianças, já que, segundo as lideranças, a taxa de mortalidade infantil nas aldeias é 4 vezes maior que a média da população nacional –, da violência contra os índios e da criminalização, resultado do preconceito e de interesses particulares e econômicos.
Também foi abordada a importância do Estatuto dos Povos Indígenas, parado há 13 anos no Congresso, além da necessidade de adoção dos instrumentos internacionais, como a Convenção 169 da OIT – da qual o Brasil é signatário desde 2004 – e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas – aprovada em setembro de 2007, para subsidiar as discussões sobre o Estatuto.
Marcos Xukuru, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoime), denunciou o descaso do governo no que diz respeito à saúde - destacando o interesse do movimento indígena em adotar a gestão autônoma, política e financeira, para resolver o problema - e à educação indígena, para a qual sugeriu a criação de um subsistema de ensino para atender aos índios.”Só assim teríamos recursos destinados diretamente para o desenvolvimento da escola indígena, sendo mais fácil acompanhar, avaliar e fazer o controle social dessas ações“.
Marcos também falou sobre a necessidade da instalação do Conselho Nacional de Política Indigenista, formado por representantes indígenas e governamentais, para deliberar concretamente sobre políticas públicas de interesse dos povos, mas tem consciência de que será um desafio: “Vai haver uma resistência muito grande. Se for o caso, teremos de repetir o que fizemos durante a Constituinte: manter grupos permanentes de indígenas dentro do Congresso articulando com os políticos. Nós não podemos recuar. Se conseguirmos garantir que o Conselho tenha esse poder deliberativo na discussão da política indigenista, nós vamos ser protagonistas da história dos povos indígenas do país”, definiu.
Programação final
Nesta quarta-feira (16), às 10h, no Salão Negro do Congresso, os indígenas serão recebidos pelos presidentes do Senado, Garibaldi Alves (PMDB/RN), e da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Antes da audiência, participam de grupos de trabalho temáticos, para tratar de questões sobre saúde indígena; terras indígenas (demarcação, proteção, desintrusão e sustentabilidade); educação indígena; regulamentação dos direitos indígenas (APL Conselho Nacional de Política Indigenista, PL Estatuto dos Povos Indígenas e matérias correlatas); e violência e criminalização contra os povos indígenas. Na parte da tarde, haverá debate após o relato dos Grupos de Trabalho.
No último dia do Acampamento Terra Livre (ATL), quinta-feira (17), será discutida a aprovação do documento Final do ATL/Abril Indígena 2008 e haverá painéis e debate com autoridades, a partir da apresentação do Documento Final. O encerramento será na Rampa do Congresso Nacional, após Ato Público na Praça dos Três Poderes. As lideranças ainda aguardam confirmação de audiência com o Presidente Lula.
O Acampamento Terra Livre é organizado pela Articulação dos Povo Indígenas do Brasil – Apib (Coiab, Apoinme, Arpinsul e Arpipan) e pelo Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas – FDDI (Coaib, Apoinme, CIR, Foirn, CTI, Cimi, Inesc, Isa, Comin, Arpinsul, Arpipan, Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, Anai, ABA e Opan).
(Por Katiuscia Sotomayor, ISA, 16/04/2008)