O governo suíço vai remanejar recursos da ajuda humanitária para comprar alimentos destinados a países pobres, mas mantém sua meta de aumentar a produção de biocombustíveis. O relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, o suíço Jean Ziegler, classifica a produção de biocombustíveis de "crime contra a humanidade" e critica a política do FMI.
O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) consideram a escassez de alimentos e o forte aumento de seus preços um risco maior para a estabilidade econômica e política dos países em desenvolvimento do que a crise dos mercados financeiros. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, cobra dos países ricos a liberação até 1° de maio próximo dos 500 milhões de dólares prometidos à Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).
Biocombustíveis x alimentos
Os EUA anunciaram nesta segunda-feira (14/04) uma ajuda imediata de 200 milhões para alimentação. A União Européia (UE) planeja cortar 90 milhões de euros anuais de subvenções à produção de biocombustíveis. "Não por causa das pessoas que passam fome e sim porque o mercado está consolidado. As subvenções simplesmente não são mais necessárias", disse Michael Mann, porta-voz da comissária de Agricultura, Mariann Fischer Boel.
Tanto a UE quanto à Suíça mantêm a meta de produzir mais biocombustíveis. A UE quer aumentar para 10% a fatia desse mercado. Na Suíça, a partir de 1° de julho próximo, o biogás, o bioetanol e o biodiesel serão isentos do imposto sobre combustíveis.
Os biocombustíveis, considerados uma esperança para resolver o problema do aquecimento global, estão se transformando em vilão da crise alimentar. O boom de sua produção é apontado como uma das causas da explosão dos preços dos alimentos, que, por exemplo, derrubou o governo do Haiti no último domingo. Além disso, o aumento da demanda na Ásia, os subsídios agrícolas e o desperdício de alimentos nos países industrializados são citados como motivos da subida dos preços.
Ajuda suíça
Segundo o delegado do governo suíço para ajuda humanitária, Toni Frisch, Berna presta auxílio alimentar permanente a países pobres e apóia projetos de longo prazo na área de segurança alimentar. Diante da atual crise, "a ONU pediu o nosso apoio", declarou ao jornal Neue Zürcher Zeitung. "Devido ao aumento dos preços dos alimentos e dos custos de transporte, a ajuda alimentar hoje custa quase o dobro de nove meses atrás. A FAO não pode mais prestar ajuda suficiente a países como o Haiti. Por isso, vamos prestar um auxílio financeiro e técnico adicional à organização da ONU", disse Frisch.
Ele explicou que, no curto prazo, será remanejado dinheiro de outros programas humanitários. "Se a crise durar meses, precisaremos de mais recursos, visto que, devido a acordos internacionais, a Suíça é obrigada a prestar ajuda alimentar, independemente dos preços", acrescentou. Frisch considera utópicas as "metas do milênio" da ONU. "Para reduzir a fome à metade até 2015, a comunidade internacional teria de fazer muito mais. Sem a ajuda ao desenvolvimento, a situação seria ainda pior", afirmou.
Críticas ao FMI
O relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, o suíço Jean Ziegler, e várias organizações não-governamentais na Europa condenaram o uso de alimentos para a produção de biocombustíveis e as subvenções agrícolas nos EUA e na UE. Depois de o Banco Mundial advertir no último final de semana que a alta dos preços dos alimentos pode provocar revolta em 33 países, Ziegler classificou a produção de biocombutíveis de "um crime contra a humanidade".
Ele fez um apelo ao FMI para que mude sua política de subsídios agrícolas e pare de apoiar exclusivamente projetos destinados a reduzir dívidas. "A agricultura deve ser subsidiada nos setores em que ela assegure a sobrevivência da população", disse Ziegler à rádio alemã Bayerischer Rundfunk.
(Por Geraldo Hoffmann, swissinfo, 15/04/2008)