O difícil equilíbrio entre combate à fome, produção de combustível e defesa do meio ambiente concentrou o debate da 30ª Conferência Regional da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em Brasília. Delegados de 33 países americanos, de agências internacionais e de organizações não-governamentais participam desde segunda-feira (14) da reunião técnica no Palácio do Itamaraty. O objetivo do encontro é examinar a conjuntura regional, na qual sobressai a preocupação causada pelo encarecimento dos alimentos.
“Trata-se de encontrar um equilíbrio entre o combate à fome, a segurança energética e a proteção do meio ambiente”, disse José Antonio Marcondes, porta-voz da delegação brasileira na conferência cuja parte ministerial será inaugurada amanhã pelo presidente Luiz Inácio Lula da silva. “O Brasil acredita no potencial dos biocombustíveis como fora de combater a pobreza”, disse o representante brasileiro, que destacou a importância da agricultura familiar nesse sentido.
O Brasil é o maior produtor de alimentos da região e seu governo desenvolve numerosos programas de combate à pobreza. Ao mesmo tempo, o Estado incentiva o uso de biodiesel e álcool como combustível, o que é rechaçado por países como Bolívia, Cuba, Nicarágua e Venezuela, os quais temem que se destine cada vez maiores áreas para produzir biocombustíveis em detrimento dos alimentos. “É eticamente inaceitável que se converta áreas de produção de alimentos em produtoras de energia”, disse o chefe da delegação cubana, José Arsênio Quintero, que, entretanto, apoiou uma sugestão do Brasil e da Argentina: adotar um código de conduta regional e voluntário para evitar danos ao meio ambiente ou a redução da produção de alimentos.
O debate em Brasília girou em torno de um informe preparado pelo brasileiro Guilherme Shuetz, funcionário do escritório regional da FAO. Shuetz citou os riscos da produção de biocombustíveis, mas sugeriu que podem ser minimizados através da tecnologia e dos compromissos ambientais. Porém, a afirmação do relator especial das Nações Unidas para o direito à alimentação, Jean Ziegler, jogou lenha na fogueira em uma mensagem que enviou ontem desde Berlim à conferência. Ziegler qualificou a produção de biocombustiveis como crime contra a humanidade, porque – advertiu – grande parte da produção de grãos é utilizada atualmente para a produção de biocombustiveis.
Os críticos concordam que os preços dos alimentos básicos aumentaram devido à redução das colheitas e do uso de grãos como milho e soja para a produção de combustíveis. O Banco Mundial alertou também sobre a possibilidade de revoltas violentas em 33 países devido à alta de preços dos alimentos. As criticas foram rechaçadas por Carlos Porto, assessor internacional do Ministério da Agricultura do Brasil. “São Estados Unidos e União Européia os que usam alimentos como milho, trigo e óleos comestíveis para fabricar biocombustiveis”, afirmou.
A FAO informou que a pobreza extrema e a desnutrição diminuíram na maioria dos países do hemisfério, mas, observou que ainda há 81 milhões de pessoas vivendo em condições de pobreza extrema ou indigência. “A fome persiste na região mesmo quando havendo um excedente de 31% na oferta de calorias, o que significa que há alimentos suficientes para todos os habitantes”, diz um estudo da FAO distribuído à imprensa. Ajudar os países a combater a fome é a principal missão da FAO.
A conferência desta semana analisa os avanços da região rumo aos Objetivos de Desenvolvimento das Nações Unidas para o Milênio acordados pela comunidade internacional em 2000, entre eles reduzir a proporção da população mundial que sofre fome até 2015, em relação a 1990. O diretor para a América Latina e o Caribe da FAO, o brasileiro José Graziano, propôs recuperar o papel regulador do Estado no setor agropecuário como meio de enfrentar as crises que periodicamente têm impacto nos produtores, especialmente nos de menores recursos. A Conferência da FAO considerará outros assuntos relacionados com a segurança alimentar, como a cooperação para impedir a propagação transfronteiriça de doenças animais e vegetais que afetam a produção de alimentos.
(Por Walter Sotomayor, IPS, Envolverde, 15/04/2008)