O Brasil sofreu ontem um revés diplomático em sua cruzada pela ampliação da produção e do uso de biocombustíveis no mundo. Reunidos para a conferência bienal regional da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), representantes de diversos países da América Latina e Caribe criticaram duramente os impactos negativos do uso de combustíveis de origem vegetal sobre o meio ambiente e a produção mundial de alimentos, sobretudo na elevação dos preços agrícolas. Os ataques isolaram a delegação brasileira, única a manifestar-se de forma contundente em favor dos biocombustíveis.
O vice-ministro de Desenvolvimento Rural da Venezuela, Gerardo Rojas, afirmou que os biocombustíveis "podem ser uma alternativa energética" para a região. "Mas primeiro é preciso garantir os alimentos", disse. Rojas afirmou que os biocombustíveis podem gerar "enormes distorções e desordens sociais" como a recente convulsão ocorrida no Haiti sob pretexto da disparada de preços alimentícios. Para ele, os preços poderiam representar "um fator de risco para a estabilidade política" da América Latina. No mesmo tom, o delegado de Cuba, José Arsenio Quintero, afirmou ser "inaceitável a imposição" de substituir o plantio de grãos e cereais para a alimentação por produtos vegetais destinados à fabricação de etanol. "Os biocombustíveis não são a panacéia para os pequenos produtores".
Em defesa da política brasileira, o representante do país na FAO, embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, reafirmou que o problema da região é a pobreza e a má distribuição de renda, e não a produção de etanol. "Essa produção significa a inclusão de produtores e trabalhadores agrícolas", afirmou. Para ele, o etanol evoluiu no Brasil via produtividade adicional e "pouco impacto" ambiental, além de ter "poupado" a emissão de 675 milhões de toneladas de CO² em 30 anos. Carvalho atacou os subsídios dos países desenvolvidos, "que distorcem o mercado", e pediu o fim de barreiras tarifárias no mundo rico. "Eles contribuem para disseminar a pobreza nos países em desenvolvimento". Para ele, a promessa dos biocombustíveis "só será realizada em um mundo sem protecionismo". "[Biocombustível] é um instrumento de combate à pobreza, como o biodiesel, uma política pública para desenvolvimento regional", defendeu.
O diretor regional da FAO, José Graziano, concorda com a urgência de garantir segurança alimentar, mas reforça ser preciso separar o etanol de milho produzido nos Estados Unidos e o álcool de cana do Brasil. "Não tem nada a ver [um com o outro]. Não podemos deixar passar oportunidade para países mais dependentes de energia". Estudo da FAO divulgado ontem admite existir "riscos", mas sustenta que podem ser suavizados via tecnologia e "compromissos ambientais", além de defender que os biocombustíveis podem representar a "porta de saída" da pobreza para alguns camponeses.
O delegado da Bolívia, Ronald Barrancos, afirmou, entretanto, que a "prioridade" de seu país é a segurança alimentar e lançou um apelo pela suspensão de projetos de novos projetos de biocombustíveis na região. Em nome da Argentina, a representante Gabriela Catalani afirmou estar preocupada com a igualdade de condições de tratamento dispensado a pequenos produtores rurais com agroindústrias. "Nos preocupa muito essa não-diferenciação nos documentos da FAO".
O chefe da delegação do Uruguai, embaixador Tabaré Bocalandro, disse que, mesmo com o avanço da produção agrícola, persistem "a fome e a desnutrição" e que, em seu país, houve redução na população rural. "Isso poderia representar mais riscos para a segurança alimentar no futuro". As redes de ONGs IFAP, FIAN e CIP declararam que os biocombustíveis competem com a produção de alimentos, além de "estrangeirizar" as terras, ampliar o controle da agricultura por corporações multinacionais, elevar o uso de agrotóxicos e bloquear ajudas alimentares.
(Valor Online,
Amazonia,org, 15/04/2008)