Para a maioria das pessoas no mundo industrial e nas classes média e alta das nações em desenvolvimento, a agricultura moderna constitui um êxito sem precedentes na história humana. Porém, a crua realidade contradiz essa visão. Entre 1960 e 2000, a população mundial duplicou, passando de três bilhões para seis bilhões de pessoas, enquanto a produção de alimentos aumentou duas vezes e meia. Seus beneficiários sabem que seus alimentos são seguros e variados. Entretanto, esses benefícios estão distribuídos de forma desigual e têm um preço cada vez mais alto para os pequenos agricultores, os trabalhadores, as comunidades rurais e o meio ambiente.
É necessária uma mudança na ciência e na tecnologia agrícolas. A agricultura, tal como é praticada hoje, implica que estamos devorando nosso patrimônio. Explora excessivamente o solo, nosso recurso natural básico, e é insustentável porque faz um uso intensivo da energia proveniente dos combustíveis de origem fóssil e do capital, ao mesmo tempo em que não leva em conta os efeitos externos de sua atividade. A isto se soma o emprego de alguns produtos básicos, como o milho, para refinar biocombustíveis, levando às nuvens os preços desses alimentos. O mundo em desenvolvimento vai na mesma direção, salvo que faz um uso menos intensivo do capital e emprega em sua maior parte energia humana.
Um estudo elaborado durante quatro anos, a Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola (IAASTD, sigla em inglês), foi apoiado pelo Banco Mundial e por várias agências das Nações Unidas, a partir de uma iniciativa nascida na Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002, em Johannesburgo. O informe final será divulgado no dia 15, em Londres, Washington e Nairóbi. Nosso desejo era analisar não apenas a produção de alimentos isoladamente, mas em relação à fome, pobreza, meio ambiente e igualdade. Assim, nos propusemos a estudar como a sabedoria agrícola acumulada da humanidade – conhecimentos, ciência e tecnologia – nos levou no ultimo século e meio à atual situação.
Também devíamos sugerir opções para enfrentar o desafio de nos alimentar de um modo sustentável, tanto social quanto ambientalmente, nos próximos 50 anos. Chegamos à conclusão de que sem mudanças radicais no modo como o mundo produz seus alimentos, o planeta sofrerá danos duradouros. Nosso informe está abertamente a favor dos pobres. Toda nossa avaliação girou em torno dos objetivos de redesenhar a agricultura para reduzir a pobreza e melhorar as condições da vida rural e a saúde humana.
Contudo, isso não nos faz inimigos dos ricos, embora seja preciso reconhecer que alguns povos estão consumindo mais do que lhes caberia em uma divisão eqüitativa dos recursos do planeta. No informe dizemos explicitamente que China e Índia agora estão competindo por porções cada vez maiores dos recursos naturais globais, tal como fizeram os paises ricos durante muitas décadas. A realidade é que cada nação precisa viver de acordo com seus meios, de modo que a América do Norte e a Europa deveriam fazer ajustes e aprender a fazer mais com menos.
Uma de nossas conclusões é que os paises mais pobres do mundo são perdedores na maioria dos cenários de liberalização comercial. Identificamos algumas “atitudes políticas e econômicas conflituosas”, especialmente dos paises desenvolvidos que se opõem profundamente a qualquer mudança nos regimes de comércio ou nos sistemas de subsídios. Sem reformas nestes aspectos, muitos dos paises mais pobres passaram tempos muito difíceis porque necessitam, em primeiro lugar, proteger seu próprio desenvolvimento. Também somos críticos da agricultura das grandes corporações, voltada ao lucro, que continua prosperando no não-reformado sistema atual. Esta mantém seu domínio no Norte e agora é exportada cada vez mais para as nações do Sul.
O informe está dirigido aos que devem tomar decisões políticas e financeiras e também ao público. Em muitos paises, a disponibilidade de alimentos é algo que se dá como certo, enquanto os agricultores são mal recompensados por sua função de pôr comida na mesa. Os investimentos em ciência agrícola e sua colocação à disposição dos agricultores diminuiu com o tempo, embora continue a necessidade urgente do desenvolvimento e da difusão de soluções sustentáveis, ambientalmente seguras e eqüitativas para a produção de alimentos. Se continuarmos nas atuais tendências de produção de alimentos, esgotaremos os recursos naturais e colocaremos em perigo o futuro de nossos filhos. Investir em nosso sustento deveria ser o mais básico empenho da humanidade.
(Por Hans R. Herren*, Envolverde, Terramérica, 15/04/2008)
* O autor é cientista premiado e co-presidente da Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola. Direitos exclusivos IPS.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.