Crise provocada pelo aumento dos preços fez com que 30% dos agricultores descumprissem contrato
Produtores de biodiesel não estão conseguindo manter o pleno abastecimento das distribuidoras de combustíveis do país. A ANP (Agência Nacional do Petróleo) admitiu que 30% das entregas previstas para o semestre não foram cumpridas. A inadimplência foi de 54 milhões de litros. A Barralcool, instalada em Barra do Bugres (MT), usina que foi inaugurada pela presidente Lula, foi uma das que pararam a produção, segundo a associação do setor.
Embalados pelo Programa Nacional do Biodiesel, muitos produtores enfrentam agora uma crise que ameaça a sobrevivência de parte do setor. A chave do problema está na elevação do preço da soja, insumo usado por mais de 80% das usinas de biodiesel. O descasamento entre a cotação da matéria-prima e o baixo preço do combustível nos leilões levou a indústria a operar no prejuízo.
"O corte feito por alguns produtores chegou a 20%. Alguns chegaram a cortar 30%", afirmou um executivo de distribuidora. O problema não alcançou o varejo devido ao estoque de emergência de 100 milhões de litros feito pela Petrobrás no começou do ano. As distribuidoras são orientadas a buscar na Petrobrás os volumes de biodiesel equivalentes não entregues pelos produtores.
Segundo avaliações do mercado, a compra suplementar de mais 100 milhões de litros de biodiesel para entrega imediata, feito na semana retrasada pela Petrobrás, ocorreu apenas em razão dos problemas dos produtores e da baixa repentina desses estoques.
Desde o dia 1º de janeiro, as distribuidoras de combustíveis são obrigadas a fazer a mistura de 2% de biodiesel em todo o diesel vendido no país. Com essa mistura, a produção nacional de biodiesel terá de atingir entre 800 milhões a 1 bilhão de litros no ano para atender a mistura compulsória. O setor tem capacidade industrial mais do que suficiente. Atinge hoje cerca de 2,9 bilhões de litros e essa superoferta se tornou mais problema do que vantagem. A baixa demanda interna criou um "estresse de oferta", o que tem conduzido o preço de venda a um patamar incompatível com o custo do óleo de soja.
O governo lançou um socorro para tentar auxiliar o setor. Uma nova resolução determinou o aumento de 50% da mistura a partir de 1º de julho, quando a adição de biodiesel no diesel subirá para 3%. Dois leilões para compra de 330 milhões de litros foram feitos na semana passada.
Delicada
O presidente da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel), Odacir Klein, disse que a situação dos produtores é delicada neste momento. Para o atual patamar de preços de óleo de soja, o valor do litro teria de superar os R$ 3. No leilão para reforço dos estoques emergenciais, o valor-teto foi de R$ 3,20, e o preço médio de venda em razão da concorrência caiu para R$ 2,55.
Nos leilões feitos pela ANP, o preço médio para cada litro foi de R$ 2,69, com deságio de pouco mais de 4%. Sérgio Beltrão, diretor executivo da Ubrabio, afirma que a elevação da demanda interna com a nova mistura projeta uma necessidade de 1,3 bilhão de litros.
"Ainda não consegue ocupar toda a capacidade disponível, mas ajuda a reduzir o estresse de oferta que existe hoje no setor", diz. A própria Ubrabio acredita que parte do setor não irá suportar por muito tempo a diferença ainda existente entre os preços da matéria-prima e do biodiesel.
Em janeiro, o óleo de soja para a indústria custava R$ 2.320 a tonelada. O preço já supera os R$ 2.600. Para a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), o setor deve encontrar outras fontes de matéria-prima além da soja para a produção de biodiesel.
A situação tem provocado redução da produção. A Folha conversou com uma importante processadora de soja sobre a situação. A posição é a seguinte: da capacidade de 100 milhões de litros, apenas 22 milhões serão ocupados neste ano.
(Agnaldo Brito, Folha de São Paulo, 15/04/2008)