Produção de etanol e de óleos vegetais foi dominada milênios antes de Cristo.
Desafio atual é usar celulose, normalmente descartada, como matéria-prima barata.
O mundo só parece estar acordando agora para as possibilidades dos biocombustíveis, graças principalmente à ameaça do aquecimento global, mas a tecnologia necessária para fabricá-los é milenar, e seu uso para mover automóveis é tão antigo quanto o da gasolina.
As primeiras civilizações agrárias do planeta, que floresceram na Mesopotâmia e na Antiga China mais de 4.000 anos antes de Cristo, já sabiam usar vegetais para produzir álcool. O processo envolve simplesmente a fermentação, na qual microrganismos do grupo dos fungos, as chamadas leveduras, transformam o açúcar presente na matéria orgânica vegetal em etanol. A extração de óleos vegetais, como o óleo de oliva, também deu seus primeiros passos nessa fase.
No entanto, a mera fermentação, embora tenha dado à humanidade bebidas como o vinho e a cerveja, não é suficiente para produzir etanol de pureza superior a 15% (o resto da mistura é água, já que em condições de álcool mais puro as leveduras não conseguem sobreviver). No começo da Idade Média, pesquisadores árabes usaram a destilação para produzir misturas alcoólicas bem mais fortes.
Sem água
É com formas mais sofisticadas desse procedimento que o álcool usado em automóveis do Brasil e do mundo ainda é feito. Esse etanol, além de destilado, passa por filtragens especiais que removem os resquícios de água em sua composição, facilitando seu uso como combustível.
Tanto o etanol quanto o biodiesel e outros biocombustíveis movem carros e máquinas com a ajuda do motor de combustão interna. Basicamente, o que acontece é uma queima controlada dos combustíveis num ambiente de alta pressão. Essa queima produz energia, que então ajuda a movimentar o motor.
O curioso é que alguns dos primeiros experimentos com motores de combustão interna para uso em veículos foram feitos com biocombustíveis, como o próprio etanol e óleo de amendoim. No entanto, com a descoberta de fontes abundantes de petróleo, a matéria-prima da gasolina, os projetos não foram adiante. Os combustíveis baseados em petróleo ofereciam a vantagem da maior densidade de energia -- ou seja, era possível produzir mais energia com um volume menor do líquido.
Muito mais abundante do que o açúcar presente na cana e o óleo de outros vegetais é
a celulose, principal componente estrutural das plantas. Se for possível transformar a celulose em álcool de forma eficiente, os problemas de matriz energética da humanidade poderão estar com os dias contados.
O problema é que ainda se sabe muito pouco sobre a química da celulose, uma forma complexa de açúcar que forma a parede rígida das células vegetais. Ela é tão dura na queda quimicamente que a dificuldade de processá-la (aliada a outros fatores dos tecidos e das células vegetais) ganhou o nome técnico de "recalcitrância da biomassa". Uma vez que a celulose é subdividida em suas unidades químicas, os açúcares, torna-se possível fermentá-la e obter etanol.
Não é à toa que a biomassa vegetal é tão recalcitrante. Ao longo de centenas de milhões de anos de evolução, as plantas foram desenvolvendo seus açúcares estruturais para resistir aos ataques de micróbios e às mordidas de animais. O resultado é uma estrutura reforçada em vários níveis, incluindo cutículas rígidas, estruturas cristalinas em arranjo milimetricamente preciso e fortes ligações químicas entre as moléculas.
Desconstrucionismo
O resultado é que, até agora, o uso de enzimas (substâncias químicas especializadas em quebrar outras moléculas em pedaços menores) para contornar a resistência da celulose não tem sido muito bem-sucedido. Por isso, o futuro da área pode ser a produção de plantas geneticamente modificadas para se "autodesconstruírem" após a colheita.
Tais plantas seriam especialmente vulneráveis a enzimas comedoras de celulose. Se isso se tornar viável, qualquer material de origem vegetal - de papel jogado no lixo a casca de banana - poderia se tornar fonte de biocombustíveis. Mas, para conseguir isso, ainda é preciso entender muito melhor a biologia básica das células vegetais - um trabalho que pode levar décadas.
(G1, 14/04/2008)