Os índices de mortalidade infantil, entre alguns povos indígenas, chegam a ser quase sete vezes maiores do que a média nacional de 24,9 óbitos por mil nascidos vivos. No Vale do Javari, na região oeste do Estado do Amazonas, a taxa alcança 158,3. Entre os ianomâmis de Roraima é de 123,7. O agravamento do problema se dá pela falta de médicos para atender as aldeias e pela contaminação da água. Os dados preocupantes foram divulgados pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), coletados pela Funasa nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) das regiões Norte e Centro-Oeste do país.
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) afirma que ambos os fatores – falta de médico e água contaminada – estão relacionados à dificuldade de acesso às comunidades. “As pessoas não conhecem as distâncias. O Vale do Javari tem 85 mil km2. Para chegar nas aldeias, os enfermeiros passam 15 dias num barco pequeno porque grandes embarcações velozes não cabem nos rios”, afirma o diretor de Saúde Indígena da fundação, Wanderley Guenka.
Cada distrito sanitário indígena possui um determinado número de pólos-base e de Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena para prestar assistência às aldeias. O atendimento dos profissionais é regulado pelas mesmas regras do Programa Saúde da Família. A portaria 648/06 do Ministério da Saúde, que trata do programa, diz que deve haver um médico para cada grupo de, no máximo, quatro mil indivíduos, sendo recomendável que a proporção seja de um para três mil.
Mas, de acordo com os dados fornecidos pelas coordenações dos DSEIs à Funasa, no final do ano passado, em áreas como o Alto Juruá, no Acre, há um médico para atender os 10.430 indígenas. No Alto Rio Negro (AM), cada profissional cobre 4,4 mil indivíduos. Entre os Xavantes, do Mato Grosso, são 6,7 mil. No DSEI de Porto Velho, há um médico para atender todas as 8,9 mil pessoas de 120 aldeias. Segundos os relatórios, não há profissionais de saúde nos DSEIs do Amapá (8.864 indígenas), Altamira (2.261) e Tapajós (6.819), no Pará.
Como nem todos os DSEIs enviaram informações, inclusive cinco de grande porte, não há como dizer com exatidão quantos profissionais atuam hoje nas aldeias. Wandeley Guenka estima cerca de 14 mil. Mas a maioria são Agentes de Saúde Indígena (AIS) - membros da própria comunidade cuja principal função é transmitir e registrar informações.
Como o único requisito para ser um AIS é saber ler e escrever, eles carecem de suporte de um profissional em casos mais graves. A presença de mais médicos nas aldeias é uma das principais reivindicações de várias lideranças indígenas. “Aqui só estão atuando algumas enfermeiras e técnicos de enfermagem. Não há médicos”, denuncia Clóvis Marubo, do Conselho Indígena do Vale do Javari.
Morosidade das licitações também ajuda a matar
A contaminação da água eleva os agravos e mortes entre crianças das aldeias de diversas regiões. Há relatos de problemas no Norte do país, em Minas Gerais, no Maranhão e no Centro-Oeste. No Parque Indígena do Xingu, que abriga 5,2 mil indígenas de 14 etnias, a coleta de amostras dos rios locais já confirmou a contaminação da água por fezes humanas e de animais.
“A morosidade dos processos licitatórios é outro empecilho para oferecer água às aldeias, inclusive na hora de comprar os insumos necessários ao monitoramento da qualidade. Há também um déficit de pessoal qualificado para fazer o serviço. Por esses motivos, de R$ 43,4 milhões empenhados para o setor em 2007, alocados no programa Saneamento Rural do Ministério da Saúde, foram gastos R$ 22,8 milhões (52,3%). Sempre trabalhamos com restos a pagar. Ainda tenho obras pendentes de 2005", afirma a coordenadora de Saneamento em Áreas Indígenas/Funasa, Lucimar Alves. Segundo ela, há questões culturais por trás dessas dificuldades. Para muitos povos, o hábito de usar a água dos rios próximos para tomar banho e preparar os alimentos está ligado a uma série de crenças e tradições. "O processo de convencimento das lideranças indígenas para a necessidade das obras faz com que a definição dos projetos leve mais de um ano", complementa.
Crianças morrem por falta de transporte
Sem médicos por perto, as grandes distâncias entre os pólos-base e as aldeias, conjugadas com a falta de transporte, acabam sendo muitas vezes a causa maior das mortes infantis. As unidades de saúde específicas para esses povos podem estar instaladas nas próprias aldeias ou em municípios vizinhos. O número de pólos em cada DSEI é definido pela extensão territorial do Distrito e pelo tamanho de sua população. Mas nem sempre a localização dos postos facilita o atendimento.
No Vale do Javari cinco crianças faleceram em dezembro passado porque não foram removidas a tempo para receber cuidados médicos. Os casos mais graves que ocorrem nessa região precisam ser encaminhados para a Casa de Saúde do Índio (Casai) de Atalaia do Norte, que fica a 37 horas de barco da aldeia mais próxima.
Segundo Clóvis Marubo, do Conselho Indígena do Vale, uma das crianças, de 6 anos, esperou durante dois dias pela autorização da prefeitura para que um barco fosse buscá-la, vindo a falecer a caminho do socorro. A Funasa ainda não descobriu as causas das mortes.
A tristeza de alguns números
* 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) foram instalados no País, em 1998, para aperfeiçoar o atendimento de saúde aos índios. Os critérios para essa divisão foram antropológicos, com base nas etnias existentes.
* 110.538 casos de doenças relacionados à água (helmintíases, diarréias e outras infecções intestinais) atingiram populações indígenas de 0 a 17 anos em 2006. No ano anterior, foram 102.296 casos, de acordo com o Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena (Siasi).
* 32% das 4.095 aldeias espalhadas em 388 municípios brasileiros têm sistema de água implantado. Das aldeias atendidas, 795 têm controle da qualidade da água oferecida por meio de vigilância bacteriológica e físicoquímica segundo a Funasa.
(Kaxi, 14/04/2008)