É uma denúncia que não admite contestação: "A fabricação de biocombustíveis constitui atualmente um crime contra a humanidade". Jean Ziegler, o relator especial das Nações Unidas para o direito à alimentação, acusa os países desenvolvidos de serem responsáveis pela importante inflação que vem atingindo os gêneros alimentícios. A explosão dos preços que ocorre atualmente vem provocando "motins da fome" no Haiti e em diversos países da África e da Ásia.
O relator especial concentra seus ataques mais particularmente contra a política de subvenções para as culturas destinadas aos biocombustíveis que tem sido implantada pelos países desenvolvidos. "Quando um governo deslancha, nos Estados Unidos, lançando mão de subsídios que no total somam US$ 6 bilhões [cerca de R$ 10 bilhões], uma política visando a favorecer os biocombustíveis; e que esta drena 138 milhões de toneladas de milho para fora do mercado alimentício, ele está implantando as bases de um crime contra a humanidade, tudo para atender à sua própria sede de combustíveis", explica o suíço Jean Ziegler numa entrevista ao diário "Libération".
Mais rentáveis pelo fato de serem subsidiadas, as culturas que se destinam à fabricação de biocombustíveis tendem com isso a se substituírem às culturas alimentícias, provocando uma rarefação de produtos de base tais como o milho, e, portanto, aumentos dos preços dos gêneros alimentícios em geral. Os biocombustíveis são elaborados a partir de gorduras e de açúcares extraídos de vegetais como o trigo, a colza, o milho ou a beterraba, que são igualmente cultivados para fins alimentícios.
As futuras gerações de biocombustíveis deverão utilizar resíduos - inclusive folhas secas ou palhas - desses alimentos, mas esta deverá ser uma evolução demorada, pois ainda falta muito para que estes novos processos estejam prontos tecnicamente. A UE dividida em relação aos subsídios agrícolas Vários dirigentes europeus, entre os quais se inclui o antigo chefe do governo italiano Romano Prodi, já denunciaram o processo que faz com que as culturas destinadas à fabricação de biocombustíveis têm sido beneficiadas por ajudas importantes.
Esta posição é apoiada pela Grã-Bretanha, que já faz um apelo para que essas subvenções sejam suprimidas. A União Européia planeja aumentar para 10% a proporção de biocombustíveis utilizados nos transportes públicos, no quadro do programa de redução das emissões de gases de efeito-estufa. A Agência Européia do Meio-Ambiente havia recomendado uma suspensão deste objetivo, na sexta-feira, 11 de abril; mas esta eventualidade foi desmentida, na segunda-feira, pelo escritório do Meio-Ambiente da Comissão Européia (situado acima dela na hierarquia das instituições da UE).
A França, que se prepara para assumir a presidência da União no segundo semestre, anunciou desde já que ela incluiria na pauta uma discussão a respeito do papel que devem exercer os biocombustíveis na política agrícola comum.
O ministro francês da agricultura, Michel Barnier, também manifestou a sua intenção de renegociar o funcionamento das ajudas para o desenvolvimento, dentro do quadro de uma "iniciativa européia visando a reforçar a segurança alimentar". Essas negociações deverão revelar-se complexas, uma vez que a União se encontra fortemente dividida, principalmente em torno da questão da manutenção de barreiras alfandegárias, as quais são contestadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), porém defendidas por vários países europeus, entre os quais se inclui a França.
(Le Monde, tradução de Jean-Yves de Neufville, UOL, 14/04/2008)