Há uma semana, o Ibama colocou na internet
o sistema de consulta pública dos embargos efetuados por crimes ambientais no país. A busca é de imensa utilidade ao cidadão preocupado em saber quem está por trás das menores às maiores agressões à natureza autuadas pelo governo nos últimos anos. Nessa lista, entrou de tudo. De áreas desmatadas ilegalmente aos empreendimentos e outras atividades irregulares que geraram prejuízos ao meio ambiente. Do pequeno sitiante aos políticos, empresários, empresas multinacionais e instituições públicas. Agora ficou mais fácil verificar se os supostos compromissos de sustentabilidade anunciados por aí são mesmo confiáveis.
A lista é extensa. De acordo com o Ibama, só as áreas embargadas totalizam 4.440 quilômetros quadrados, o equivalente a cerca de 40% do desmatamento registrado na Amazônia ano passado. Com instrumentos simples que permitem a consulta por estado, cidade ou nome, encontrar políticos não foi difícil.
O governador de Rondônia, Ivo Cassol, é diretamente citado como responsável por dois embargos no município de Alta Floresta D’Oeste. O deputado federal Ernandes Amorim – um dos protagonistas do impasse que suspendeu a licitação pública para manejo sustentável na Floresta Nacional de Jamari – tem três áreas embargadas em Ariquemes. Melkisedek Donadon, ex-prefeito de Vilhena (RO) e outros políticos também aparecem na relação.
Em Mato Grosso, a lista revela nomes bastante conhecidos por quem monitora o desmatamento na Amazônia. O senador Jaime Campos responde por três áreas embargadas em Alta Floresta, sendo uma superior a 1.200 hectares. No mesmo município o deputado estadual Ademir Brunetto é responsável por outra área, mas o sistema não informa mais detalhes. Desse mesmo jeito são registrados embargos dos deputados Humberto Bosaipo, em Porto Esperidião, e de Dilceu Dal Bosco, em Sinop. Na semana passada, aliás, este último proferiu discurso na Assembléia Legislativa defendendo que produtores ilegais precisam de punição. “Toda economia de Mato Grosso acaba sendo penalizada por causa das ações desses empresários. Vamos fazer o possível para que eles sejam punidos”, falou, enquadrando-se na categoria.
Poderosos e encrencadosAderval Bento, presidente da Associação dos Proprietários Rurais do rio Preto, uma vez garantiu, em entrevista a O Eco causar o mínimo impacto possível em sua fazenda. Mas numa região pleiteada para ampliação de uma terra indígena, em Juína, ele é dono de um embargo de 187 hectares, acessíveis em imagens de satélite disponibilizadas pelo próprio sistema de consultas. Dentro de uma mesma fazenda, a Amália, também no rio Preto, várias autuações. Essa região concentra o maior número de propriedades embargadas em Juína, cidade que aparece na lista como recordista de ocorrências em Mato Grosso.
Outros nomes muito influentes na região são Geraldo Francisco de Queiroz, com dois embargos, sendo um com quase dois mil hectares e Hermes Bergamin, um dos empresários mais poderosos do noroeste de Mato Grosso, com seis áreas embargadas em Colniza e mais duas em Juína. Os irmãos Ilton, Ivo e Isamael Vicentini, acusados, entre outros crimes, de fraudar planos de manejo no entorno do Parque Indígena do Xingu, aparecem novamente nos registros do Ibama com áreas embargadas no município de Feliz Natal. A cidade também tem seis áreas desmatadas pelo sojicultor Nei Frâncio, um de seus primeiros colonizadores.
Grandes desmatamentosSó o empresário da Celso Padovani & Cia Ltda tem seis áreas embargadas em Marcelândia, sendo uma com 6.117 hectares. Mais de 1.700 hectares foram embargados em nome de Alcindo Ferreira dos Santos, além de 2.117 hectares de Manoel Madrugas de Simas, e 3.400 hectares de Jair Roberto Simonato, todos em Apiacás, município que abriga quase metade da área do Parque Nacional do Juruena. Mas fica em Vila Bela da Santíssima Trindade, na região do Guaporé, uma das maiores áreas listadas. Foram mais de nove mil hectares em nome de Rosana Sorge Xavier, que só perdem para os 12.100 hectares de Honorato Lourenço de Moraes, em São Félix do Xingu (PA).
Além de ter que brigar diretamente com políticos e poderosos empresários, o governo volta e meia enfrenta a si próprio. Só no Mato Grosso, estão sob embargo 14 áreas de assentamentos do Incra, e outras cinco administradas pelo Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transportes (DNIT), fora atividades de diversas prefeituras em todos os estados. Entre as empresas com áreas ou atividades embargadas figuram Amaggi Exportação e Importação, Bunge Alimentos, Agroamazônia Produtos Agropecuários, presente em toda fronteira do agronegócio, Estanho de Rondônia S/A, que explora cassiterita dentro da Floresta Nacional do Jamari e os empreendimentos Buriti Energia e Curuá Energia, de pequenas centrais hidrelétricas licenciadas nos limites da Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo, no sul do Pará, entre outros.
DeturpaçãoA exposição de empreendimentos e pessoas tão influentes incomodou. Ruralistas de Mato Grosso, parlamentares e representantes do governo estadual se dirigiram à Brasília às pressas na tentativa de tirar a lista do ar e de reverter os embargos, que impedem a obtenção de créditos bancários e a comercialização de produtos florestais e agropecuários, entre outras restrições. Enquanto isso, na imprensa mato-grossense, as lideranças rurais ganham voz misturando alhos com bugalhos.
Todos os dias saem notícias acusando o governo federal de ter incluído, com a divulgação das áreas embargadas, mais 67 municípios de Mato Grosso na lista dos 19 que mais desmataram a Amazônia no estado. Ou então que as áreas se referem a propriedades que se localizam dentro do bioma Amazônia, apenas. Mas a principal estratégia continua sendo a convicção de que, mais uma vez, os dados estejam errados.
Em nota publicada no site da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), a entidade afirma que “muitas propriedades embargadas já haviam solicitado o Licenciamento Ambiental Único junto à Secretaria do Meio Ambiente e também tinham apresentado planos de recuperação de áreas degradadas. Com isso, mais de mil propriedades de Mato Grosso foram retiradas da lista”, informa o texto, com manchetes do tipo: “Famato consegue reduzir lista de embargos”. O Ibama reconhece que durante o último fim de semana a lista mudou mesmo e de forma expressiva, mas não por esse motivo.
O diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Flávio Montiel, nega que existam erros e explica que o Ibama pretende concluir até o fim da semana melhorias na consulta on-line dos embargos. “Estamos ajustando o sistema para termos discernimento em relação ao que são áreas embargadas por desmatamento ou usadas ilegalmente, e outros embargos de atividades ou empreendimentos”, esclarece Montiel. “Para não haver dúvida, vamos deixar no ar a lista completa de áreas embargadas e disponibilizar em um outro ícone na página do sistema esses outros embargos”, acrescenta. Não significa, portanto, que embargos tenham sido excluídos, como sustenta a Famato.
Para verificar o cumprimento dos embargos, Montiel diz que aeronaves do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) já estão sobrevoando os 36 municípios campeões de desmatamento com sensores capazes de identificar áreas de até seis metros quadrados. “Dá para enxergar a movimentação de pessoas, rebanhos, veículos, o que nos permite saber se o embargo está sendo cumprido”, diz o diretor, que considera essa primeira varredura uma referência para a verificação dos embargos daqui para frente. Além desse sistema de controle, Montiel lembra que outros sobrevôos em aeronaves de asa alta serão realizados a cada dois ou três meses, além da conferência em campo pelas equipes de fiscalização.
O Ibama informou que até o fim desta semana o acesso às listas continuará livre, mas passará a ser feito mediante a um cadastro no sistema, atualizado diariamente para a inclusão e a exclusão de nomes. “Uma área pode até sair da lista se já tiver entregado o plano de recuperação ambiental à autoridade competente. Mas até seu cumprimento, ela continua embargada”, avisa Montiel. Segundo ele, o desembargo de áreas só está autorizado ao presidente do Ibama e aos superintendentes regionais do órgão.
(Por Andreia Fanzeres,
O Eco, 09/04/2008)