Mantega impõe condição para apoiar proposta do Bird que visa tornar mais transparente a extração de recursos no mundo
Além da crise financeira global, inflação e oferta de alimentos dominaram a reunião do FMI e do Bird, que terminou ontem nos EUA
O Brasil condicionou ontem seu apoio a um novo plano do Bird (Banco Mundial) para tornar mais transparente a extração de recursos naturais no mundo ao "reconhecimento da soberania" de cada país.
"Ressaltamos que qualquer iniciativa nessa área deve reconhecer plenamente a soberania e o direto de cada país sobre seus recursos naturais", disse o ministro Guido Mantega (Fazenda) em discurso no Comitê de Desenvolvimento do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Na véspera, o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, havia dito temer "conflitos terríveis" ou "guerras" no futuro caso a questão da oferta de alimentos não seja equacionada no médio e longo prazos.
A nova proposta, batizada de Iniciativa à Transparência das Indústrias Extrativas, foi apresentada pelo Banco Mundial como meio de "transformar os recursos naturais de cada país em crescimento sustentável".
A iniciativa foi lançada paralelamente ao chamado "New Deal da Política Global de Alimentos" -um "novo acordo" que implicaria medidas para aumentar os recursos financeiros para os países pobres no curto prazo e, a médio e longo prazos, adotar ações para ampliar a produção agrícola.
Além da crise financeira global, inflação e oferta de alimentos dominaram a reunião conjunta de FMI e Bird, que terminou ontem em Washington.
Como resposta aos dois temas, o FMI foi cobrado a aumentar sua supervisão sobre os mercados financeiros, e o Banco Mundial, a acelerar medidas para elevar a oferta agrícola.
Na média, os alimentos subiram 83% nos últimos 36 meses. Segundo o presidente do Bird, Robert Zoellick, cerca de 100 milhões de pessoas podem ter "mergulhado mais profundamente na pobreza" no período.
Ontem, Strauss-Kahn voltou a frisar a "urgência" que o assunto exige e relacionou o tema à questão dos biocombustíveis.
"Podemos argumentar que a questão do aquecimento global é importante. Mas a discussão é totalmente diferente quando alimentos são usados para fazer combustíveis e quando há outros produtos não-alimentares que também podem ter esse fim." Strauss-Kahn lembrou positivamente a iniciativa brasileira na produção de álcool a partir da cana-de-açúcar e disse que novas tecnologias podem fazer o mesmo, no futuro e em grande escala, com celulose.
"Esse será um problema para vários anos, e a comunidade internacional precisa decidir qual a sua prioridade", disse.
O diretor-gerente do Fundo criticou os subsídios concedidos por países (como os EUA) para o setor agrícola e a produção de biocombustíveis. Já Zoellick disse ser "incongruente" a atual situação em que os preços de alimentos sobem e países como os EUA mantêm os subsídios ao setor.
Álcool de milho
O FMI estima, por exemplo, que mais da metade do aumento da demanda por milho no mundo nos últimos três anos tenha tido como causa a alta da produção de álcool nos EUA.
Para Mantega, a produção de álcool a partir da cana-de-açúcar é "promissora em muitos países em desenvolvimento". "Ela deve ser apoiada como uma fonte estratégica de energia limpa com potencial para gerar benefícios ambientais, sociais e econômicos."
Já o governo da Índia, que ainda concentra milhões de miseráveis, fez uma crítica direta à política de vários países de usar grandes proporções de terras para a produção de biocombustíveis.
"Em um mundo onde ainda existe fome e miséria, não há nenhuma justificativa para converter lavouras destinadas a alimentos para a produção de biocombustíveis", disse Palaniappan Chidambaram, ministro das Finanças indiano.
(Fernando Canzian, Folha de São Paulo, 14/04/2008)