Pela unanimidade de seus ministros o Supremo Tribunal Federal (STF) evitou uma conflagração de trágicas conseqüências em Roraima. Acatando ação cautelar impetrada pelo governador José de Anchieta Júnior (PSDB), para quem o conflito decorrente da retirada dos não índios da Reserva Raposa Serra do Sol poderia levar a região a uma “guerra civil”, o Supremo suspendeu a Operação Upakaton 3, da Polícia Federal (PF), que visava a desalojar os produtores de arroz que se recusavam a sair de suas fazendas. A Polícia Federal, com cerca de 500 homens, estava incumbida de retirá-los de uma área que compreende apenas 1% do 1,747 milhão de hectares da reserva, mas responde por 6% da economia do Estado.
O início da operação da PF vinha provocando conflitos e crescentes atos de violência, como queima de pontes, bloqueios de estradas e confrontos diretos de não índios e arrozeiros com índios e policiais federais.
O governador já apelara ao Ministério da Justiça para suspender as ações da PF, pelo menos até que o STF se pronunciasse sobre a ação impetrada. A decisão judicial veio na undécima hora e, certamente, evitou uma tragédia. O ministro-relator Carlos Ayres Britto sintetizou os argumentos que o levaram a deferir o pedido do governo de Roraima, dizendo que “diante da premência do caso e do estado, que parece mesmo de conflagração, estou deferindo”. E, acrescentou: “É fácil perceber que essa porção de 1% não compromete substancialmente a finalidade da demarcação. Mas pode comprometer a economia, a segurança e a ordem pública.”
Em sua decisão o ministro também levou em conta o fato de reservas indígenas ocuparem 46% do território daquele Estado e a circunstância de as terras dos arrozeiros ficarem próximas à fronteira do País - o que tem importância em termos de segurança nacional.
Essa é a preocupação do comandante do Exército na Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que na abertura de um curso sobre segurança internacional e defesa - promovido em São Paulo pela Fiesp e pela USP - advertiu que o Brasil está caminhando para perder parte de Roraima, por causa da demarcação de terras indígenas. “Roraima está acabando, porque o território indígena é maior do que o Estado”, disse o general, após criticar a política indigenista brasileira que, em sua avaliação, “está na contramão da sociedade, conduzida à luz de pessoas e ONGs estrangeiras”. Também afirmou que os ianomâmis não precisam da terra contínua que, de acordo com a demarcação feita pelo governo, lhes foi atribuída contra parecer da Casa Militar.
Quando o general Heleno se referiu à Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) com voto favorável do Brasil, demonstrou preocupação com riscos à soberania do País na região, visto que o documento garante aos índios a posse e o controle autônomo de territórios por eles ocupados.
A propósito, o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), além de anunciar recurso da decisão do Supremo ao próprio Supremo - o que era de esperar -, por considerar a decisão unânime da mais alta Corte de Justiça uma “violação aos direitos dos povos indígenas do Brasil”, afirma que dela “recorrerá” à ONU e à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Aqui vale lembrar o artigo do deputado Aldo Rebelo, no Estado de 10/4 (pág. A2): “... fala-se em ‘povos indígenas’, ‘nações indígenas’, ‘autodeterminação indígena’ como se as tribos constituíssem nacionalidades independentes em territórios emancipados. Chegamos ao paroxismo de tuxauas barrarem a circulação de generais do Exército em faixa de fronteira” - escrevia ele, lembrando, ainda, que “é tão brasileiro o índio macuxi quanto o colono gaúcho. Eles integram uma só nação diversificada”.
É claro que os índios, seus costumes, seu bem-estar e sua cultura merecem e têm direito a toda a proteção do Estado brasileiro, assim como merecem e têm direito à proteção do Estado todos os cidadãos brasileiros, independentemente das suas etnias ou das suas origens familiares. Não há pois, como assinala o deputado Rebelo, por que incutir nos índios “a idéia de que, em relação aos brasileiros, são estrangeiros” e que assim deveriam se comportar e ser tratados.
(Editorial Estado de São Paulo,
Revista Consultor Jurídico, 12/04/2008)