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zoneamento silvicultura eucalipto no pampa consema rs
2008-04-14

Ato 1: O local é o mesmo da sexta-feira, 04/04, a  Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) e (com algumas variações) os  personagens também. Pouco depois das 14h, entra no auditório do 11º  andar o procurador Otaviano Brenner de Moraes, agora no cargo máximo da Sema. O ambiente está um pouco tenso, há ansiedade no ar, ambientalistas com faixas e integrantes da Força Verde (nome fantasia da velha Força Sindical) se dividem contra e a favor ao zoneamento como está sendo apresentado para votação. Casualmente ou não, de camiseta verde (é claro) e botons, os sindicalistas ao lado de prefeitos, ex-prefeitos e vereadores do interior e alguns deputados  (dois no caso) se acomodam (estrategicamente) no lado direito do auditório.

Ato 2: Para surpresa de alguns, o secretário apresenta, para os presentes (auxiliado pelo power point) durante uns 15min o que a legislação diz sobre vista do documento e vista do processo. Uma pequena provocação à ONG Agapan, responsável pelo adiamento da reunião que decidiria sobre a votação do Zoneamento da Silvicultura (em sua versão alterada, depois de passar pelas Câmaras Técnicas do Conselho Estadual do Meio Ambiente, onde a maioria acabou aprovando a versão 
menos restritiva), ao pedir vista do documento na reunião anterior. O ambientalista Flávio Lewgoy manifestou-se depois, dizendo que a Sema está em desvio de função ao se posicionar contra a ação da ONG ambientalista (de protelar a votação) e se posicionar sobre o processo, abdicando de sua posição de imparcialidade, como representantes máxima no Conselho.

Ato 3: Mal tinha sorvido o primeiro café,  o secretário, se espanta e demonstra seu desagrado ao receber um mandado de segurança, suspendendo as deliberações do Conselho e dando um prazo de 15 dias para apresentar e discutir as alterações propostas no Zoneamento alterado, e consideradas vitais pelos ambientalistas e alguns conselheiros. "O Zoneamento Ambiental da Silvicultura da forma como está sendo apresentado já nasce morto", comenta em um pequeno grupo, o representante do Ibama no Conselho, Marcelo Machado Madeira. "Ele retira quase todas as restrições e limites objetivos (e numéricos), como índices de vulnerabilidade por Unidade de Paisagem Natural (e que  constavam no trabalho inicial dos técnicos da Fepam e da Fundação Zoobotânica); o percentual de ocupação das UPNs e o tamanho e a distância entre os maciços, que mexem na estrutura do zoneamento", explica. Segundo Marcelo, estas questões formatavam o coração do zoneamento original.

Ato 4: Parte da civilidade se perdeu depois do ato anterior e aos poucos foram se revelando as faces mais dramáticas da disputa. Sim porque o que se seguiu foi uma disputa barulhenta e pouco digna, já antevista nas audiências públicas onde o zoneamento foi apresentado. Ativistas da Força Verde (repetindo: nome fantasia da Força Sindical) começaram a ironizar as faixas abertas pelos ambientalistas no local. Do lado esquerdo uma faixa dizia "Conselheiros, certas decisões não  devem ser pautadas pelo lucro. Aja com responsabilidade. A saúde de nossas crianças está em tuas mãos. Vida é biodiversidade". Do lado direito, a faixa trazia nomes de espécies da fauna e flora ameaçados pelos maciços de eucaliptos. A manifestação silenciosa foi quebrada pelo comentário de um dos mais ruidosos representantes da Força Verde, e que despertou risos nos seus parceiros, "o 'veado' eu já estou vendo", referindo-se aos jovens de cabelos encaracolados e gargantilhas de  sementes, que seguravam as faixas.

Ato 5: Quem é esse? Pergunta a vereadora de Butiá Irani Medeiros, quando o ex-geneticista Flávio Lewgoy (um dos fundadores da Agapan) e um dos ambientalistas mais respeitado do país ocupa novamente o microfone para defender a suspensão das deliberações pela Justiça. Inconformada, reclama. Começa um bate boca e ameaça de empurra-empurra entre um ambientalista e um indignado integrante do grupo pró-silvicultura: "É um absurdo, querem discutir mais o quê? Eu estive em todas audiências públicas, onde vocês estavam?" grita. E outro emenda aos gritos, "vai cuidar dos netos", dirigindo-se à Flávio Lewgoy. Ironias à parte será que ele, Lewgoy não estava fazendo isso mesmo, naquele instante, cuidando do futuro dos netos?.

Ato 6: Depois de um certo tumulto, os conselheiros representantes das ONGs e defensores do zoneamento original da Fepam se retiram da reunião do Consema. O deputado Berfran Rosado, também se retira. Agora estudante de pós-graduação de gestão ambiental e defensor incansável da silvicultura (ele fala com propriedade de quem já conheceu a sede de uma empresa papeleira em viagem brinde à Finlândia, junto com outros colegas e vários colunistas e jornalistas gaúchos). Um pouco depois o também deputado Nelson Hartner (mais contido do que nas 
audiências públicas) em versão mais light, também deixa o local. Não é novidade para ninguém que as empresas de celulose contribuíram para as campanhas eleitorais de vários partidos. A seguir, começaria a luta nos bastidores da Justiça e um jogo de cena patético nos corredores da Sema.

Ato 7: Articulações, telefones celulares em punho, durante as quase quatro horas seguintes o que se viu foi um grupo e conselheiros aguardando pacificamente (o auditório já estava praticamente vazio do lado esquerdo. Os Conselheiros restantes ficam à vontade confabulam, trocam figurinhas, ironizam e criticam as ONGs em revezamento sucessivo ao microfone e sob a complacência da Mesa (agora comandada pelo secretário-substituto da Sema, Francisco Simões Pires). Exceção feita à visível inconformidade pelos encaminhamentos da Mesa, do Conselheiro do Ibama, Marcelo Machado Madeira, que vencido, após pedido de teto para finalizar a reunião, deixaria o local em protesto.

Ato 8: Como dizia uma das raras técnicas da Fepam presença discreta (quase escondida) na reunião, o mundo dá muitas voltas. Acostumada às mudanças sazonais de governos, ela destacou a pressão e perda das funções originais, às quais técnicas antigas da instituição (algumas delas responsáveis pelo primeira  versão do Zoneamento) estão sendo alvos. Mas as voltas que o mundo dá também muda de lado outros personagens.  Circulando pelos corredores familiares da instituição, agora do outro lado do balcão, um especialista na área ambiental, agora trabalhando para as empresas de celulose, está à vontade.

Ato 9: A situação ficou constrangedora (para poucos é claro) quando todos os pareceres das Câmaras Técnicas do Consema, já conhecidos de todos os integrantes, foram reapresentados para ganhar tempo e tentar anular a medida judicial obtida pelas ONGs. Depois de um intervalo, "para telefonar e avisar que a reunião prossegue", como orientou Francisco Simões Pires, a titular da Fepam, com a maior placidez propõe aos conselheiros presentes a apresentação "e discussão ponto a ponto" do zoneamento original. Mais tempo. O conselheiro do Ibama, pergunta então se não haverá teto para encerrar a reunião "até que chegue uma liminar" permitindo a votação. "Você é que está afirmando isso", retruca Francisco Simões Pires, enquanto se ouviam risos abafados na platéia, mas ele ressalta depois que "assim como as ONGs recorreram à Justiça na defesa dos seus interesses", o direito democrático permite a mesma tática para na defesa dos interesses contrários.

Ato 10: O último. São 18h e 39min de quarta-feira (09/04/08). Prevenidos, alguns conselheiros deixam o prédio para retirar os carros antes que as garagens fechem, e antes que a esperada liminar chegue.  Outros, simpatizantes do zoneamento oficial vão buscar lanches (os lanches sempre chegam, a exemplo do que ocorreu nas audiências públicas). No auditório, se espalham entre o piso e as cadeiras ocupadas pelos integrantes do Consema, copos plásticos sujos de café. O resto já se sabe, a matéria já estava quase pronta para edição. Basta ler os jornais do dia seguinte (10/04).

(Por Ana Terra de Oliveira*, Eco Agencia, 13/04/2008)
*A autora é jornalista e ambientalista. Permitida a reprodução, citando-se a fonte.


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