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ambientalistas movimento ambientalista gaúcho
2008-04-11

O advogado Antenor Ferrari pode se orgulhar de sua passagem pelo Parlamento gaúcho por pelo menos duas iniciativas que ficaram na história: a criação da comissão de Direitos Humanos e da Lei Estadual dos Agrotóxicos e Biocidas. Além de ter sido o único servidor a alcançar a presidência do Casa (1982-83), o advogado natural de Bento Gonçalves que iniciou sua militância política no antigo MDB e até hoje integra os quadros do PMDB (é o atual vice-presidente do partido em Porto Alegre) foi deputado estadual por três mandatos e secretário de Estado da Saúde durante a gestão do ex-governador Pedro Simon.

Não há como dissociar sua trajetória da luta contra a ditadura militar e o apoio aos presos políticos no Parlamento, durante seu primeiro mandato (1978-82), simbolizada em um ato de repercussão nacional: a "invasão" da Ilha do Presídio por parlamentares da recém-criada comissão de Direitos Humanos e entidades do setor, utilizando-se de barcos. A ilha próxima à Porto Alegre ainda servia de cativeiro para presos políticos em 1981. Sua luta pelos direitos humanos ampliou-se no apoio a argentinos e uruguaios perseguidos e exilados pelas ditaduras reinantes em seus países, em acordo com a anistia internacional.

Antenor Ferrari notabilizou-se naquele começo da derrocada dos tempos de exceção, e cravou fundo os pilares de uma legislação ambiental e de combate à poluição que tornou o Rio Grande do Sul modelo de gestão nacional no setor. Fez mais: abriu as portas do hospital psiquiátrico São Pedro, então uma masmorra e depósito de doentes. Agraciado com o prêmio Springer Por Um Rio Grande Maior em seu terceiro mandato (1986-90), hoje, aos 66 anos e aposentado, pode afirmar que tem orgulho de seu passado.

Agência AL-RS - Em primeiro lugar, esclareça-nos uma dúvida: foi na sua gestão como presidente que iniciou a negociação da Mesa Diretora da Assembléia que distribuía a presidência em um ano para cada partido?

Antenor Ferrari - Foi um pouco anterior ao meu período na presidência. Houve uma tentativa de acordo que resultou fracassada, entre o PMDB com o PDT, que elegeu o deputado Rospide Neto (PMDB). Ele acabou ficando apenas dois meses no cargo. O PDS (antiga Arena) entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal e ganhou, assumindo o deputado Airton Vargas, que havia perdido a eleição na Mesa. Eu sucedi o (deputado) Airton Vargas ainda dentro do sistema de rodízio entre os partidos que integravam a Mesa, por acordo partidário. No meu período eram feitos acordos entre partidos divergentes, hoje vemos acordos amplos entre todos os partidos. Estávamos no início, no nascimento do pluripartidarismo.

Agência - Como o senhor avalia a política partidária e as ações do Parlamento em sua época e nos dias de hoje? A política interna do Legislativo, os conflitos e disputas entre as siglas, houve um acirramento maior da política em função de uma pluralidade crescente de idéias e opiniões?

Antenor Ferrari - São épocas bem diferentes. Meu período foi praticamente de regime militar e bi-partidarismo, onde o MDB era um partido somente destinado à oposição e a Arena um partido destinado apenas a sustentar o Governo. O momento permitia que o MDB fosse um partido bem mais agressivo na oposição às administrações e na cobrança forte de abertura política. O discurso político do MDB era muito forte, muito avançado, com teses bem definidas pelas eleições diretas, fim da ditadura, anistia, reformas, o que permitia que o partido fosse mais uníssono em suas posições e com objetivos mais concretos e melhor definidos. Mesmo que o MDB fosse uma frente que congregasse setores do centro à esquerda, permitia que tivesse pontos unitários de luta. As outras teses se diluíam. Com o advento da democracia, as eleições diretas e a conquista do poder pelos mais diversos partidos, essas questões se diluíram, as lutas principais que eram unitárias no passado se tornaram lutas basicamente pelo poder. O conteúdo e a forma de ação política mudou bastante. Hoje os partidos políticos se revezam no poder e se revezam no apoio ao governo e às vezes se confundem em suas propostas.

Agência - O senhor não acha que o pluripartidarismo - não obstante as liberdades democráticas e os avanços proporcionados pela abertura - gerou um quadro mais confuso para o eleitorado? Veja o caso do PMDB, por exemplo, que está na base dos governos Federal, estadual (do RS) e municipal (em Porto Alegre): situações como esta, na sua opinião, não acabam confundindo o eleitorado?

Antenor Ferrari - Acredito que sim, muitos partidos carregam consigo uma certa incoerência, participando do governo em algumas esferas e em outras sendo oposição, mas é preciso entender que os partidos ainda não estão totalmente consolidados, embora ao longo dos anos tenham sido formados com clareza de propostas - até porque todas as denúncias de corrupção que têm sido feitas, através dos meios de comunicação, tornaram as coisas muito confusas para o eleitorado. Hoje não separamos mais o joio do trigo. As denúncias que se faz ao mundo político como um todo fazem com que a população não saiba mais diferenciar um partido de outro, não saiba mais como se situar politicamente para votar de maneira adequada, então, normalmente ela acaba votando para renovar. E, desta forma, muitas vezes ela retira os melhores quadros e deixa os piores. O Congresso Nacional de hoje é um exemplo típico: ao longo dos anos ele vem sendo renovado, mas não se deixando os bons e sim os corruptos, deputados e senadores da velha política da raposagem, dos interesses próprios. Por quê? Porque tem instrumentos para permanecer. Então, o povo não está conseguindo distingüir onde está o joio e onde está o trigo, o sentimento de renovação é geral mas sempre se deixa os piores e se tira os melhores. Claro que há exceções, mas a verdade é esta.

Agência - Lembre-nos de alguns momentos que entende como marcantes de sua trajetória no Parlamento, iniciativas que o senhor protagonizou ou viveu. Sabemos que o senhor teve uma atuação decisiva na área dos direitos humanos, na criação de legislação de defesa ambiental e na luta contra as ditaduras na América Latina.

Antenor Ferrari - Sinto-me gratificado por participar de momentos que foram de fundamental importância para todos nós. Na primeira legislatura apresentei a proposta de criação da Comissão de Direitos Humanos, aprovada por resolução da Assembléia e agregando a ela outras propostas que tramitavam na Casa, como a área do meio ambiente, de defesa do consumidor e segurança social. Era uma comissão com uma composição muito ampla mas que acabou tendo um foco mais voltado à defesa dos direitos humanos em função do período que vivíamos, uma ditadura militar, muitas prisões, perseguições, cassações de mandatos, liberdade de imprensa tolhida. A comissão tinha um campo muito grande de atuação e se notabilizou, além de outras coisas, pela invasão da Ilha do Presídio, no Guaíba, onde havia presos políticos em condições sub-humanas. A comissão convocou a imprensa nacional, invadiu a ilha e a desmoralizou. Dois meses depois ela foi fechada. Na área do meio ambiente também a comissão teve uma atuação muito firme. Naquele momento, nós, porto-alegrenses, tínhamos notícias do alto índice de contaminação do Guaíba por agrotóxicos que eram e ainda são utilizados nas lavouras do RS e que eram trazidos pelos rios Jacuí, Sinos e Gravataí. Os índices de contaminação eram muito elevados. Havia todo um clamor por parte dos ambientalistas de que alguma coisa precisava ser feita. Então construímos a lei dos Agrotóxicos e Biocidas, aprovado pela Assembléia. Ela demarcou o início de toda uma luta ambiental em nosso estado. Foi uma lei muito simples, com dois ou três artigos. O primeiro artigo era muito objetivo e claro: fica proibida a utilização na agricultura do RS, daqueles produtos agrotóxicos e biocidas que, produzidos no exterior, têm sua aplicação proibida no País de origem. O que não podia ser aplicado nos Estados Unidos ou na Alemanha, aqui também não poderia ser utilizado. Era preferível pegar o princípios deles e aplicar aqui. Então, houve uma grande mobilização da sociedade, dos ambientalistas e da Assembléia, que vivia repleta de gente e militantes que apoiavam a lei. Ela foi aprovada no final do meu primeiro mandato. Tive a honra, também, de promulgar a lei como presidente do Legislativo porque o então governador, Jair Soares, não quis sancioná-la. Foi um marco importante da luta que todos nós tratamos, porque os agrotóxicos atingem não apenas o produtor mas também o consumidor. Lembro também que, na época, o uso de agrotóxicos era estimulado pelo Governo porque aumentava a produção. Inclusive, havia uma portaria que permitia ao agricultor que comprasse agrotóxicos trazer a nota fiscal de compra ao Banco do Brasil e isto autorizava o financiamento na hora, automaticamente. Éramos um depósito internacional de agrotóxicos. Hoje, vemos que foi um verdadeiro absurdo, inconcebível, gerou muitos problemas de saúde, câncer, problemas mutagênicos e doenças na população.

Agência - Como o senhor vê a atuação do Parlamento hoje? Existem muitas críticas quanto à elaboração de leis que muitas vezes são inócuas, surgiram também muitas denúncias contra parlamentares nos últimos anos. Na sua opinião, o Parlamento tem sido esvaziado em seu verdadeiro papel?

Antenor Ferrari - Acho que o Parlamento deveria se voltar para a consolidação das leis. Temos milhares de leis federais e estaduais, muitas conflitivas, outras inócuas, algumas sem nenhuma razão de existir, outras que precisam ser aperfeiçoadas. Acho que o Parlamento precisaria, sobretudo, de muito cuidado para consolidar as leis existentes, eliminando aquelas que não são necessárias. Mas isto exige um trabalho técnico profundo, não é fácil de ser feito, mas é uma questão importante de ser analisada. Fica difícil para a sociedade e para os próprios funcionários do Direito lidar com tantas leis conflitivas, que fazem com que o Poder Judiciário seja constantemente acionado e faz com que ele seja mais legislador que o Legislativo. Além disso, a sociedade não tem segurança sobre as leis existentes: uma lei estende um direito, outra lei tira aquele direito, uma terceira a modifica. Então, acho que um papel importante do Parlamento, hoje, seria o de consolidação das leis existentes. Mas acho que o Parlamento também sofre pelos bons pagarem pelos maus. Alguns parlamentares que não tem uma conduta condizente com a importância do cargo que mantém, comprometem todos os demais. E este comprometimento tira da sociedade a credibilidade e a confiança para que eles efetivamente sejam seus representantes e quando legislam acabam fazendo em seu próprio nome. Esta falta de respeito mútuo cria um descompasso muito grande, o que não é fácil de resolver. É preciso começar a encontrar saídas para isto. Por outro lado entendo que a democracia divide muito as pessoas, porque afloram todos os sentimentos da sociedade. Num regime autoritário, o contra e a favor assume proporções muito grandes e caracteriza bem as pessoas, os representantes do povo, os que estão a favor e os que estão contra. Agora, a democracia e o atual processo de globalização fazem com que a sociedade fique dividida e o Parlamento, que é seu legítimo representante, queira ou não, acaba dividido também. Às vezes, por forças pequenas, há divisões muito grandes e que fazem com que se reproduza este círculo vicioso da falta de legitimidade de muitas coisas. Somos uma sociedade angustiada, um País com diferenças sociais imensas, os ricos colocam sua riqueza à mostra da população pobre e isto provoca terríveis conflitos, de ordem política, social e econômica.

Agência - O senhor entende que após a Constituição de 1988 houve um fortalecimento do Judiciário e do Poder Executivo, esvaziando um tanto a força do Legislativo?

Antenor Ferrari - Os poderes são independentes e harmônicos, mas de pouco vale a independência e harmonia se um dos poderes é mais fraco que o outro. Somos um País que elege seus representantes de forma avançada, com debates abertos e um justiça moderna em termos de apuração eletrônica e, ao mesmo tempo, temos um poder executivo fortíssimo que se baseia em medidas provisórias para poder exercer uma função que seria do parlamento, que é legislar, e fazer com que essa legislação entre em vigor imediatamente sem que ninguém tenha apreciado a não ser o presidente da república. Por consequência, os Estados e Municípios também são fortes embora não disponham deste instrumento. Todo mundo fala e não custa repetir que nossa Constituição é para termos um sistema parlamentarista, o que não se consolidou na prática. E acabou fortalecendo o Executivo.

Agência - O senhor defende a tese de que precisamos de uma reforma política, com implantação do voto distrital e um sistema parlamentarista...

Antenor Ferrari - Com certeza, o voto proporcional, embora seja democrático, também consagra algumas discrepâncias impressionantes - parlamentares se elegem com 1 milhão de votos e outros com 15 votos. Tem gente que faz 50 mil e não consegue entrar. Existem regiões completamente abandonadas, sem representação, é uma grande distorção do sistema. Candidatos de imagem interpenetram todas as regiões do Estados, fazem voto em tudo que é lugar e não representam ninguém. Esses candidatos de imagem seriam adequados à lista do partido do que na lista do eleitor. O mais democrático seria um sistema misto, onde o eleitor em cada região elegesse um representante por voto majoritário, e pudesse votar em um segundo como seu representante local, por voto partidário. Então votaria no partido, em uma lista, e no seu representante local em outro sistema. A região seria sempre contemplada e o partido ou candidato de imagem, como preferir, também. Se houvesse o sistema distrital misto teríamos um sistema democrático muito mais representativo e comprometido com os anseios da população.

(Por Gilmar Eitelwein, Agência de Notícias AL-RS, 10/04/2008)


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