No Brasil, os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União. Por isso, a exploração mineral carece de concessões que devem ser, por força de lei, planejadas, considerando-se as reservas e o atendimento às necessidades do país, tanto para a transformação industrial como para exportação.
Como as concessionárias são beneficiadas com gordos subsídios públicos e empréstimos bancários, na teoria, o governo só permite tais concessões quando as empresas se comprometem a respeitar as condições ecológicas e as necessidades sociais. Afinal, essa concessão não é somente para explorar; é para explorar racionalmente, considerando os interesses nacionais e os interesses diretos da população.
As regras do Código de Mineração são rígidas. Reparem como o artigo 47 obriga o titular da concessão, além das condições gerais do Código, a "lavrar a jazida de acordo com o plano de lavra aprovado", a "responder pelos danos e prejuízos a terceiros, que resultarem, direta ou indiretamente, da lavra"; a "promover a segurança e a salubridade das habitações existentes no local"; a "evitar o extravio das águas e drenar as que possam ocasionar danos e prejuízos aos vizinhos". Se não for assim, tem punição prevista.
Existem as Normas Reguladoras de Mineração - NRM - para "disciplinar o aproveitamento racional das jazidas, considerando-se as condições técnicas e tecnológicas de operação, de segurança e de proteção ao meio ambiente, de forma a tornar o planejamento e o desenvolvimento da atividade minerária compatíveis com a busca permanente da produtividade, da preservação ambiental, da segurança e saúde dos trabalhadores".
Importante repetir: promover a segurança e a salubridade das habitações... aproveitamento racional das jazidas... busca da preservação ambiental e da segurança e saúde dos trabalhadores... todas estas exigências (atualmente utópicas) existem no papel, na teoria...
Ah! Quase esqueci: uma concessionária precisa também cumprir os princípios gerais da atividade econômica, elencados na nossa Carta Magna. O art. 170 não deixa dúvidas: a ordem econômica deve valorizar o trabalho humano, assegurar a todos existência digna e, dentre outros, observar a "defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação".
Mas - por favor, não me perguntem o porquê! - na região carbonífera de Santa Catarina não se aplica nada disso. Nem o §2º do art. 225 da Constituição Federal que obriga quem explora recursos minerais "a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei."
Gente! Nesta região dizimada pelos "Senhores do Carvão", parece que os órgãos licenciadores e/ou fiscalizadores faltaram às aulas sobre tudo isso. É corriqueira a sua omissão criminosa; eles permitem diariamente a degradação ambiental. E prosseguem fornecendo benesses e licenças para as empresas carboníferas, de forma individualizada e pontual, sem análise dos impactos degradantes gerados cumulativamente por essas.
É incompreensível que a paisagem lunar do sul com montanhas de pirita jogada a céu aberto, rios vermelhos e quase mortos pelo enxofre, bocas de mina abandonadas... passem despercebidos aos olhos dos "Detentores de Algum Poder" (FATMA, IBAMA, Polícia Ambiental, DNPM...). Para explicar tal comportamento, pensei naquela velha frase: "só não enxerga quem não quer".
Os poucos processos que tramitam perante o Poder Judiciário já comprovaram as ilegalidades da atividade mineraria e possuem várias informações sobre o extenso dano ambiental. Mas os "Senhores do Carvão" não se preocupam com isso. Ora, atualmente, tudo acaba em TAC - Termo de Ajuste de Conduta! Este papel na mão confere a eles o relaxamento da legislação ambiental, até mesmo nos processos de licenciamento.
E o argumento para a proliferação dos TACs é um só: a atividade mineraria - ainda que criminosa - é prioritária para a região. Sua paralisação prejudicaria a economia. Ninguém dá ouvidos ao alarde dos ecochatos sobre a necessidade do cumprimento da Lei e sobre a irreversibilidade dos danos provocados pelo carvão.
Pensem junto comigo: os "Detentores de Algum Poder", no uso insano dos TACs:
- chancelam dano socioambiental de impacto imprevisível;
- transacionam um bem público, que não é particular (o meio ambiente é bem de todos, de uso comum do povo), em ofensa aos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público;
- travestem a mineração de interesse público quando é sabido que estes acordos só beneficiam os "Senhores do Carvão", garantindo a continuidade da prática de vários crimes ambientais;
- estabelecem, para a continuidade das ilegalidades cometidas, compensação irrisória para o grave dano socioambiental já praticado.
Perceberam como esta solução serve tão somente para legitimar crimes? Estes TACs representam desvio de poder e a forma mais prática e célere para viabilizar um crime ambiental. Logo, esses famigerados TACs são nulos e devem sofrer a suspensão imediata de seus efeitos. O meio ambiente não pertence aos "Detentores de Algum Poder"; nem aos "Senhores do Carvão".
(Por Ana Candida Echevenguá *, Adital, 10/04/2008)
* Advogada ambientalista. Coordenadora do Programa Eco&ação