Aprovado depois de mais de seis horas de tensa disputa entre ambientalistas e órgãos públicos, o documento que reúne as novas regras para o plantio industrial de florestas significa um passo decisivo para destravar os projetos de instalação de fábricas de celulose na Metade Sul do Estado.
O zoneamento ambiental para a silvicultura, em negociação desde 2007 e responsável por uma das crises políticas do governo Yeda, era aguardado pelas empresas para definir a viabilidade econômica dos investimentos - só os três maiores estão avaliados em US$ 4,5 bilhões.
Na prática, a aprovação do documento permitirá a retomada dos processos de licenciamento para o plantio industrial de árvores, suspenso desde o final do ano passado. As empresas alegam que a consolidação da base florestal é fundamental para definir a localização das fábricas. Em 2007, por conta das idas e vindas na liberação de licenças, a área plantada foi de apenas 50 mil hectares. No ano anterior, foram plantados 90 mil hectares.
- A aprovação tem um grande significado porque gera segurança a todos. À sociedade e ao Estado, porque impõe limites à atividade de silvicultura. Aos empresários porque define regras claras. Agora, o processo de licenciamento seguirá seu curso normal - afirmou o secretário de Meio Ambiente, Carlos Otaviano Brenner de Moraes.
Pelo menos um grupo - a Aracruz - havia condicionado a construção da unidade em Guaíba, cujo investimento, incluindo a base florestal, chega a US$ 2,8 bilhões, à aprovação do zoneamento. A empresa já havia obtido a licença industrial mas não arriscou fazer o anúncio da instalação sem a garantia da base florestal.
Para este ano, o setor projeta o plantio de 70 mil hectares, mas não há garantia de que a meta será alcançada. Como a emissão de licenças ficou paralisada no segundo semestre de 2007, a produção de mudas foi prejudicada. Segundo o presidente da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), Roque Justen, as constantes suspensões podem comprometer o abastecimento das indústrias nos próximos anos.
Ambientalistas criticam decisão e analisam recurso
O texto aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) elimina restrições do documento original, rechaçado pelas empresas.
Para a presidente da Fepam, Ana Pellini, a proposta atual não representa risco ao ambiente:
- Ela não prevê limites padronizados, mas mantêm diretrizes para o plantio. Além disso, a idéia é continuar realizando estudos até estabelecer parâmetros específicos para cada região do Estado, aprimorando o Zoneamento Ambiental ao longo do tempo - afirma, acrescentando que uma equipe de pesquisadores canadenses chegará ao Estado em junho para analisar as regras aprovadas ontem.
A decisão do conselho foi criticada pelos ambientalistas. A assessora técnica da ONG ambientalista Núcleo Amigos da Terra, Maria da Conceição Carrion, afirma que as entidades deverão avaliar hoje a decisão judicial que garantiu a votação e a possibilidade de reverter o resultado recorrendo à Justiça:
- Com a decisão, o governo do Estado abre mão da sua função maior de preservar a vida, a biodiversidade e o patrimônio genético gaúcho.
Por onde andam
Veja o que fazem hoje duas das principais personagens do início da crise do zoneamento ambiental:
Vera Callegaro
Amiga da governadora Yeda Crusius e tucana, foi secretária do Meio Ambiente na época na polêmica sobre o zoneamento ambiental no ano passado. Sofreu fortes críticas pela demora na liberação de licenças ambientais pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Em meio às ameaças das indústrias de celulose de suspender investimentos, deixou o cargo logo após a queda de Irineu Schneider, então presidente da Fepam. Hoje, Vera trabalha na CaixaRS, órgão ligado à Secretaria Estadual do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais, onde atua como superintendente de sustentabilidade corporativa.
Irineu Schneider
Deixou o cargo de presidente da Fepam em maio de 2007 por conta da pressão envolvendo as licenças para silvicultura. Foi ele quem assinou um aditamento ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público Estadual endurecendo a liberação das licenças. Alegou não ter feito nada sozinho e disse que o ato havia sido decidido numa reunião com a presença de dois secretários estaduais Vera Callegaro (Meio Ambiente) e Nelson Proença (então na pasta do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais). O TAC não foi bem aceito pelas empresas florestadoras. Schneider atualmente é procurador-geral da prefeitura de Santa Cruz do Sul, administrada pelo tucano José Alberto Wenzel.
Aprovação veio depois de batalha judicial
Uma guerra judicial marcou a reunião de ontem do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) que a aprovou o zoneamento para o plantio de florestas. O texto que será publicado no Diário Oficial do Estado elimina restrições à atividade florestal constantes na proposta original.
No início da tarde, depois de aberto o encontro do Consema, uma liminar, solicitada pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e concedida pela juíza Kétlin Casagrande, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, impediu o órgão de votar a proposta. A seguir, houve trocas de acusações e princípio de tumulto, e os conselheiros ligados a organizações não-governamentais reticentes ao plantio de árvores exóticas deixaram o local, acompanhados de manifestantes carregando faixas contra as florestas de eucaliptos.
No início da noite, o governo do Estado virou o jogo e obteve, do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Arminio José Abreu Lima da Rosa, a cassação da liminar: uma vitória esperada pelos 19 conselheiros que permaneceram na reunião, estendendo-a por mais de seis horas até ganharem o direito de votar a proposta defendida. O Consema é formado por 29 conselheiros. Do local de votação se retirou quem era contrário ao novo zoneamento, como a Agapan.
O epicentro da mais nova polêmica envolvendo o zoneamento foi a extinção dos percentuais máximos de área em que o plantio é permitido, constantes na proposta original, mas retirados do texto aprovado. Isso permitirá análise caso a caso por parte da Fepam para conceder ou não a autorização a projetos de florestamento, sem restrições prévias. Outra limitação retirada foi a que proibia o plantio em um raio de 1,5 mil de áreas rochosas.
- O zoneamento deixou de ser restritivo para ser um instrumento que dará norte à atividade - defende Ivo Lessa, representante da Federação da Agricultura no Consema.
Os ambientalistas, minoria no órgão, reclamam que a alteração aprovada permitirá excessos no plantio de espécies exóticas no Estado.
- Essa proposta criou um zoneamento que não zoneia nada - critica Maria da Conceição Carrion, da ONG Núcleo Amigos da Terra.
Os maiores projetos
Stora Enso
Investimento* US$ 400 milhões
Floresta plantada 9 mil hectares
Plantio em 2008 10 mil hectares
* Estimativa considerando só a base florestal
Aracruz
Investimento US$ 2,84 bilhões
Floresta plantada 110 mil hectares
Plantio em 2008* 23 mil hectares
*São 70 mil hectares em três anos
VCP Celulose
Investimento US$ 1,3 bilhão
Floresta plantada 48,7 mil hectares
Plantio em 2008* 140 mil hectares
* Até 2011
(Zero Hora, 10/04/2008)