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raposa serra do sol terras indígenas
2008-04-10

Estradas e pontes destruídas, trincheiras, fabricação de bombas caseiras, ameaças de confronto armado. É nesse cenário que a Polícia Federal se prepara, desde o final de março, para fazer a desintrusão da Raposa-Serra do Sol, em Roraima, enquanto os seis arrozeiros que a ocupam ilegalmente se recusam a sair, apoiados por alguns índios. Quanto mais a polícia demora, mais se fortalece a resistência e a violência dos ocupantes. Por que é tão difícil cumprir a lei em Roraima?

Homologada desde 2005, só agora, três anos depois, a Polícia Federal está em Roraima para promover a desintrusão da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol, ocupada ilegalmente por arrozeiros e não-índios. Ao perceber que desta vez a desocupação é para valer, os arrozeiros que lá estão, liderados por Paulo Cesar Quartiero, com o apoio de alguns índios, decidiram ir para o confronto e passaram a destruir pontes e estradas para impedir o acesso à terra, a fabricar e lançar bombas caseiras, a montar barricadas e trincheiras, e a se utilizar de táticas de guerrilha para resistir, num claro ato contra o Estado de Direito.

Com 1,747 milhão de hectares, a TI é habitada por 16 mil índios das etnias Macuxi, Tauarepang, Patamona, Ingarikó e Wapixana, espalhados por 164 aldeias. Embora o processo de reconhecimento formal da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol tenha se iniciado nos anos 1980, a terra foi homologada pelo Presidente da República em abril de 2005. O decreto dava prazo de um ano para que os ocupantes não-índios, se retirassem. Passaram-se três anos e pouco aconteceu. Apenas 139 famílias, das 292 cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foram reassentadas até o momento.

Os arrozeiros instalados na TI adquiriram as terras no início dos anos 1990, pagando apenas o valor das benfeitorias - porque compraram de ocupantes anteriores que queriam sair dali. Começaram a produzir em 1994, quando a área já tinha sido identificada e publicada no Diário Oficial da União pela Fundação Nacional do Índio (Funai), com isenção fiscal concedida pelo Estado de Roraima. Além disso, os produtores desrespeitaram a legislação ambiental, desviando o curso de igarapés, destruindo matas ciliares e poluindo as fontes de água. Mesmo assim, o grupo expandiu a área de ocupação nos últimos anos e tem lucros que os estimulam a desafiar o governo federal e o Estado de Direito. Paulo Cesar Quartiero,por exemplo, comprou a Fazenda Providência em 2001, três anos depois da demarcação da TI.

Apesar de criado em 1988 pela Constituição Federal, o Estado de Roraima ainda depende da remessa de recursos federais para a sua manutenção. Sem um projeto de desenvolvimento definido e instituições republicanas consolidadas, o estado propicia o enriquecimento ilegal, sem custos sociais e ambientais.

Desafio à lei
Nesta semana, a imprensa de Boa Vista, capital do estado, dava conta de que os rizicultores teriam chamado grupos de “sem-teto” para participar dos protestos, com a promessa de garantir um lote na Raposa-Serra do Sol. “Esses homens estão desafiando a lei e o próprio governo. Mas nós vamos aguardar firme e pacificamente, apoiando a Policia Federal na operação de retirada”, afirma o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), o macuxi Dionito José de Souza.

Ele acredita que algumas pessoas que se aliaram aos agricultores foram iludidas: "O pessoal armou uma cilada para alguns índios e não-índios – muitos foram enganados para participar do bloqueio. Houve até promessa de distribuição de carne e de terrenos".

Os manifestantes têm anunciado um ‘derramamento de sangue’, o que preocupa as comunidades indígenas. O representante do CIR lamenta o desrespeito aos povos indígenas: “Diziam que havia convivência pacífica. Queimando as casas dos outros, amedrontando as famílias? Da nossa parte, a gente considera isso terrorismo. Não aceitamos essa violência, mas não podemos fazer nada. A gente só quer manter nossa liberdade e a nossa terra”, explica Dionito, que solicitou, às instituições de Roraima, proteção aos moradores da Raposa-Serra do Sol.

Esses atos de resistência ao cumprimento da lei, em Roraima, só têm precedentes antes da homologação da TI, em 2004 e depois, durante a festa de homologação, em setembro de 2005. Todos esses episódios são uma afronta ao Estado de Direito.

Guerra sem exército
Os distúrbios estão acontecendo em área de fronteira já que a TI faz limites com a Guiana e a Venezuela, e, apesar disso, o Exército não se manifestou. É sabido que a instituição tem grandes contingentes nas proximidades, treinamento para o combate de guerrilhas e conhecimento da região, o que agilizaria a operação de retirada. Por outro lado, nota divulgada prlo jornal Correio Braziliense, de 7/4, denuncia que “as escutas (da Polícia Federal, que monitora os manifestantes com grampos nos telefones e aparelhos de rádio) indicam que o mentor das táticas de resistência seria um general do Exército da reserva que comandou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em Roraima”.

Consultada sobre isso, a assessoria de Comunicação do Ministério da Defesa indicou o Ministério da Justiça que por sua vez, não se pronunciou, dizendo não ter resposta oficial. Em setembro de 2007, o ministro da Defesa, Nelson Jobin, acabou afastando do cargo de secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, o general Maynard Santa Rosa. Dias antes, o general havia declarado ao jornal O Globo que não concordava com o apoio das Forças Armadas à operação que a Polícia Federal programou para retirar arrozeiros de Raposa Serra do Sol. O ministro da Defesa negou que o motivo fosse esse.

Operação Upatakon III
Na ausência do Exército, o Ministério da Justiça encarregou a Polícia Federal de lidar com os invasores rebeldes, com o apoio da Força Nacional de Segurança (FNS). Apesar da tensão, acrescida por ameaças e agressões contra os povos indígenas e os policiais, a PF garantiu que a retirada dos não-índios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol vai ocorrer, inevitavelmente, com ou sem o uso da força.

O coordenador geral da Operação Upatakon 3, delegado Fernando Segóvia, disse não haver necessidade de utilizar tropas das Forças Armadas. Os policiais tentam convencer as pessoas a deixar o local pacificamente. "Mas se eles não quiserem sair, infelizmente, teremos que tirá-los de lá", informa.

Sem revelar o total do efetivo envolvido na operação nem confirmar quando a ofensiva será deflagrada, os agentes federais e a Força Nacional se preparam para um confronto que parece inevitável, já que os arrozeiros insistem em não recuar. A polícia recebeu armamentos (escudos, balas de borracha, capacetes e bombas de efeito moral), que ficarão armazenados em um depósito até o momento da ofensiva, e deve permanecer por mais 60 dias após o início da operação de retirada, para garantir a segurança dos indígenas depois da saída dos arrozeiros.

As autoridades afirmam que a Operação não vai parar por pressão dos arrozeiros. Para o novo Superintendente da Polícia Federal em Roraima, delegado José Maria Fonseca, em entrevista à Folha de Boa Vista, "a resistência dos produtores de arroz da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol não pode ser vista como movimento, mas sim como ato de insubordinação, de desobediência civil, incitação à prática de crimes, uso de incapazes como escudos, cerceamento do direito constitucional do cidadão de ir e vir e de danos causados ao patrimônio público (pontes queimadas e interceptação de estradas)".

Fonseca acrescentou que os produtores estão usando crianças, mulheres, idosos e homens iludidos sobre os fatos, na tentativa de impedir qualquer ação dos policiais. “É um pequeno grupo com interesses pessoais e econômicos, que tem passado para a população uma realidade totalmente diferente da verdade do que é a situação da Raposa Serra do Sol”, analisou.

O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, declarou em entrevista coletiva no dia 2/4, que não retrocederá na Operação Upatakon 3 e disse estar esgotada a possibilidade de novas negociações com os não-índios que permanecem na área: “Parece que essas pessoas querem mesmo um conflito para tentar vencer a ordem instituída. Mas não estamos passando por cima do direito de ninguém. Pelo contrário, esperamos três anos depois da decisão de homologação da reserva para conseguir uma solução negociada. Só que chega um momento em que ou se impõe a lei ou se sucumbe”.

Força-tarefa da Advocacia Geral da União
A resistência nesta proporção ao cumprimento da lei é inédita. Tanto que, pela primeira vez, foi organizado um Grupo de Trabalho (GT) composto por advogados da União, procuradores federais e assistentes jurídicos da Funai, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Agência Nacional de Águas e outros órgãos, para apoiar a desintrusão de uma Terra Indígena.

Publicada no Diário Oficial da União em 4 de abril de 2008, a portaria determina que o grupo mantenha regime de plantão para prestar orientação jurídica aos órgãos públicos federais nas questões urgentes identificadas na operação de retirada. Também são atribuições do GT: colher e organizar informações sobre a operação; identificar e acompanhar as ações judiciais que possam obstruir sua realização e, ainda, estabelecer estratégia de ajuizamento de medidas de urgência, decorrentes da retirada de ocupantes não-índios inseridos na Raposa- Serra do Sol.

A guerra no STF que os arrozeiros já perderam
Os arrozeiros reclamam que o Poder Executivo deveria esperar uma decisão final do Poder Judiciário sobre a demarcação da Raposa-Serra do Sol antes de serem retirados. Mas, a advogada Ana Paula Caldeira Souto Maior, do Programa Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA considera a argumentação meramente protelatória, “O fato de haver ações em andamento impetradas no STF não significa que o Poder Público esteja impedido de agir para fazer valer a decisão que homologou a demarcação da Terra Indígena há 3 anos. O Ministério da Justiça e demais órgãos só estariam obrigados a esperar uma decisão judicial final, se houvesse alguma medida liminar que permitisse aos arrozeiros lá permanecerem”. E não é isso que está acontecendo.

Em 12/3, o ministro Carlos Ayres Brito negou pedido de liminar a Paulo Cesar Quartiero, o chamado líder dos arrozeiros, em ação proposta em 2006 contra a União, a Funai e o Conselho Indígena de Roraima (CIR), para manter-se na Terra Indígena. Na decisão, o ministro Ayres Britto nega o pedido e alerta para o risco que representaria a presença do arrozeiro na região. A decisão está em consonância com outras duas proferidas em fevereiro deste ano pelo STF, favoráveis a homologação da Terra Indígena e à retirada dos ocupantes não-índios.

Dificilmente esta derradeira tentativa dos arrozeiros de tentar abortar a Operação Upatakon III no STF terá sucesso. Eles já haviam tentado em 2007, por meio de Mandado de Segurança (MS 25483) uma liminar para suspender até o julgamento do mérito do mandado, a retirada da área ocupada pelos arrozeiros Itikawa Indústria e Comércio Ltda., Ivalcir Centenaro, Luiz Afonso Faccio, Nelson Massami Itikawa e Paulo César Justo Quartiero. O tribunal foi unânime ao negar a segurança demandada. O relator considerou o processo de demarcação uma obrigação do Poder Público, como exposto na decisão: “Na ausência de ordem judicial a impedir a realização ou execução de atos, a Administração Pública segue no seu dinâmico existir, baseada nas determinações constitucionais e legais. O procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas Raposa Serra do Sol não é mais do que o proceder conforme a natureza jurídica da Administração Pública, timbrada pelo auto-impulso e pela auto-executoriedade”.

Tramitam também no STF algumas ações contra a Portaria nº534/05, do ministro da Justiça, que declara a terra como indígena e contra o decreto do Presidente, que homologa a demarcação. Em abril de 2006, por unanimidade, o STF confirmou a decisão de não conceder liminar para sustar os efeitos da Portaria 534/2005. (Agravo Regimental na Petição 3388). "Todas estas decisões do STF, as recentes e as posteriores à homologação em 2005, mesmo em caráter liminar, demonstram a construção de um entendimento favorável aos direitos originais dos índios sobre as terras que ocupam", conclui Ana Paula.

(ISA, 09/04/2008)


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