O jogo em que o Grêmio foi desclassificao da Copa do Brasil já estava quase começando, às 21h30min de ontem (09/04), quando os 19 conselheiros restantes - de um total de 29 - do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), votaram e aprovaram o contestadíssimo Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS).
Eles aguardaram sete horas e meia no auditório da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, encenando discussões e explanações de estudos. Enquanto isso, o secretário da pasta e presidente do Conselho, Otaviano Moraes, agia no Tribunal de Justiça para que fosse cassada a liminar obtida pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) - a mais antiga organização de defesa do meio ambiente do país.
Quando começou a reunião extraordinária, convocada para votar o ZAS, Otaviano Moraes avisou que havia recebido uma ordem judicial da 5ª. Vara da Fazenda Pública, suspendendo liminarmente a reunião em função do mandado de segurança da Agapan. A ONG, com base no Regimento Interno do Consema, pediu prazo de 15 dias para examinar a proposta que foi apresentada, em função das mudanças introduzidas no projeto original dos técnicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Antes, numa exposição com data-show, o secretário mostrou o que, segundo ele, seriam diferenças entre pedido de vistas de documento e vista de processo. Procurador de justiça, o secretário disse a seguir que teria havido confusão nos dois conceitos quando foi concedida a liminar. Logo em seguida, colocou em votação a continuidade da reunião para debates, proposta que foi aprovada.
Na verdade, foi um artifício para que os conselheiros continuassem reunidos, enquanto ele saía, deixando um substituto para dirigir os trabalhos, a fim de providenciar cassação. Após cerca de uma hora de debates tensos, às 16h, os representantes das ONGs se retiraram. O biólogo e professor da Ufrgs Paulo Brack, da ONG Ingá, criticou a ausência dos técnicos da Fepam e Fundação Zoobotânica, que por suas entidades afirmam estarem sendo pressionados pelas direções da Sema, Fepam e FZB.
Em entrevista à EcoAgência, ontem, a diretora-presidenta da Fepam, Ana Pellini, confirmou ter pressionado servidores. “É uma vergonha o que está acontecendo”, afirmou Brack, antes de se retirar. Uma novidade em relação à reunião anterior (04/04) foi a presença de estudantes com faixas protestando contra a impantação das florestas de pinus eucalipto na Metade Sul. “Conselheiros! Certas decisões não deve ser pautadas pelo lucro. Aja com responsabilidade. A saúde de nossas crianças está em suas mãos! Vida é BIODIVERSIDADE”, dizia uma delas.
Farsa de Democracia
O químico e geneticista Flávio Lewgoy, conselheiro da Agapan no Consema, criticou a composição do conselho, onde o governo estadual tem maioria folgada para aprovar o que quiser, como disse o secretário Otaviano Moraes na reunião passada. “O governo tem maioria automática no conselho, a composição dele desde o início foi distorcida, botaram onze representantes de secretarias e mais alguns que automaticamente votam com o governo, é uma sopa aprovarem o que quiserem”, disse Lewgoy.
Ele citou o exemplo o Conselho Estadual da Saúde, onde a representação é paritária: 25% dos representantes apenas são do governo, 50% da sociedade civil e 25% das entidades empresariais do setor 25% (hospitais e outros). “A Agapan tem participado no Conselho Nacional do Meio Ambiente, na CTNBio e temos visto, realmente, o totalitarismo do grande empreendedor, do grande capital, em relação à sociedade, nestes conselhos somos sistematicamente derrotados”, afirmou Celso Marques, ex-prsidente da ONG .
"Se pegarem as atas deste conselho vão ver que os ambientalistas são derrotados sistematicamente, estamos aí por compromisso com a sociedade, fazendo muitas vezes o papel de vaca de presépio. Mas se a gente não comparecer nestas instâncias nos cobram ou não ficamos sabendo o que está sendo decidido no Estado”, continuou Marques. “Estamos vivendo uma farsa de democracia”, arrematou.
Zoneamento Descaracterizado
Após a saída das ONGs a reunião prosseguiu, com os conselheiros restantes criando temas para debates. Depois que vários já tinham falado, as três Câmaras Técnicas do Consema apresentaram seus pareceres. E, para esticar a conversa, foi sugerido que fosse lido todo o zoneamento original feito pelos técnicos da Fepam, descaracterizado na proposta final, e discutido ponto à ponto.
O conselheiro do Ibama que havia permanecido, Marcelo Madeira, pediu então que fosse fixado um teto de horário para terminar a reuniião. A sugestão não foi aceita e ele se retirou, enquanto alguém também saía para buscar os sanduíches dos que permaneceram. A informação que circulava, às 19h30min, era que o secretário Otaviano de Moraes estava no Tribunal de Justiça e a cassação da liminar poderia sair a qualquer momento.
Interventores na Sema/Fepam
Eram cerca de 21h quando a suspensão da liminar foi obtida, segundo fortes comentários, com a participação da própria governadora Yeda Crusius. Não seria de estranhar, pois ela garantiu, desde a campanha eleitoral, que faria de tudo para garantir a implantação dos megaprojetos das papeleiras na Metade Sul do Estado. Logo em seguida, a contestada proposta de zoneamento, por técnicos dos órgãos e ONGs ambientais, foi votada e aprovada pelo reduzido grupo que ainda se encontrava num plenário esvaziado.
"É uma situação vexatória para o governo, fica escancarado assim que temos, na verdade, uma intervenção na Sema e na Fepam. É uma secretaria em desvio de função, voltada para a liberação dos licenciamentos das papeleiras, somente, sem nenhum tipo de programa de proteção ambiental", declarou Paulo Brack, ao comentar a votação. Membros do Ingá, a ONG de Brack, afirmam que tentaram voltar para acompanhar a votação mas foram impedidos de entrar no recinto. Os ambientalistas deverão buscar uma forma de recorrer, amanhã.
(EcoAgência, 09/04/2008)