Nos dias de hoje faz pouco sentido repetir o bonito clichê de que os recifes estão para o mar assim como as florestas tropicais estão para o ambiente terrestre. Ambas as formações esbanjam variedades de vida, são fonte de sustento para milhares de pessoas, movimentam economias. Mas se até agora o mundo não conseguiu pôr freio na destruição do verde, quem dirá das riquezas abrigadas no azul marinho.
Ameaçados por um coquetel de impactos provocados pelo turismo irresponsável, mineração, pesca com explosivos, poluição e aquecimento das águas oceânicas, os multicoloridos recifes tropicais podem estar com seus dias contados. Preocupados com a escalada da destruição, um grupo de cientistas brasileiros arregaçou as mangas e pôs em prática algo no mínimo inusitado em águas nacionais: reproduzir corais nativos em cativeiro.
O experimento começou em 2004, quando pesquisadores conseguiram a fertilização in vitro de um coral. Hoje, na base de pesquisas em Arraial d´Ajuda (Porto Seguro, BA), vários tanques com água marinha guardam pequeninos corais em crescimento (foto). Os maiores recrutas têm um ano de idade e ainda não passam de um centímetro. Seu desenvolvimento é extremamente lento. Com até um metro de diâmetro, o coral cérebro é um dos principais formadores dos recifes nacionais. Para chegar a esse tamanho, seria necessário quase um século.
Mesmo nos estágios iniciais, o estudo mostrou que as taxas de sobrevivência e de crescimento dos recrutas podem ser até sete vezes maiores nos viveiros do que no mar. Nos tanques o ambiente é controlado e não há peixes e outros predadores. “A idéia ainda é transplantar espécies para ajudar na recuperação de áreas degradadas. Mas com taxas tão lentas de crescimento, a melhor alternativa é preservar os corais de recifes”, explica Bárbara Segal Ramos, gerente-geral do Projeto Coral Vivo.
Por tudo isso, a iniciativa foi ampliada e agora equipes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e do governo tentam entender também o ciclo de vida e a “ecologia-geral” dos recifes, ou como essas formações se relacionam e são impactadas pelo ambiente. “Desta maneira teremos uma base mais sólida de informações, para manejo de regiões coralinas e até para interferir em processos de degradação”, diz Segal Ramos. Parte do conhecimento já chega a escolas e guias de turismo do sul da Bahia.
Animal feridoApesar da rigidez de seu esqueleto externo e de viverem grudados no fundo do mar, os corais fazem parte do reino animal, e são carnívoros. Na escala evolutiva, são parentes dos pepinos-do-mar, das anêmonas e das águas-vivas. Entre as inúmeras espécies mundiais, há hermafroditas, colônias de machos e de fêmeas, umas com fecundação externa e outras interna. Algumas se reproduzem o ano inteiro, outras em períodos do ano. O coral cérebro só existe no litoral baiano e se reproduz apenas na época do Carnaval. “Cada espécie tem sua realidade e sua complexidade”, explica o biólogo Clóvis Castro, professor da UFRJ.
A maioria dos corais usa tentáculos para levar comida até a boca, mas até 30% do sustento de alguns exemplares vem de algas simbiontes, que vivem junto a seus corpos. Mas quando são estressados pelo aquecimento da água, poluição ou doenças, os corais expulsam as algas parceiras e morrem, explicam os pesquisadores. “Daí vem a fragilidade dos corais a mudanças de temperatura e outros impactos”, diz a bióloga Bárbara Segal.
O fenômeno conhecido como “branqueamento” transforma recifes inteiros em algo semelhante a imensos e fantasmagóricos amontoados de ossos. Extensas áreas coralinas em todo o mundo foram destruídas em 1998, um dos anos mais quentes já registrados.
Estudos do início do século passado já mostravam a degradação de recifes brasileiros pela extração de corais. Eles eram usados na construção civil e até de antigas igrejas. No lugar de tijolos, se usavam corais. Também foram muito aproveitados para a produção de cal. Os problemas de hoje englobam o corte de matas ciliares de rios, a pesca descontrolada e a poluição.
Sem matas nas bordas, rios carregam cada vez mais sedimentos para o litoral, sufocando as formações coralinas. A pesca excessiva de peixes herbívoros como o budião leva a uma explosão no crescimento de algas e ao sombreamento dos recifes. Sem Sol na medida certa, os corais perecem. Esgotos, poluentes industriais e construções irregulares engrossam a lista de ameaças aos recifes nacionais. Apesar do ataque desenfreado, eles continuam a cumprir suas funções naturais. Além dos serviços convertidos em dinheiro, como turismo e pesca, protegem a costa do vaivém das ondas e até contra tsunamis, diz o professor Clóvis Castro, da UFRJ. “Praias desprotegidas, como na região de Olinda (PE), estão vendo o mar avançar. Durante o tsunami que atingiu a Ásia em 2004, as praias com corais foram menos afetadas”, revela.
Ainda em 1997 os benefícios econômicos e ambientais gerados pelos recifes foram estimados em US$ 375 bilhões (quase R$ 640 bilhões). Uma em cada quatro espécies marinhas vive nesses locais, incluindo 65% dos peixes, além de esponjas, moluscos e crustáceos. Em países em desenvolvimento como o Brasil, por volta de um quarto dos pescados vem dessas regiões. Por aqui, o governo afirma que 18 milhões de pessoas, cerca de 10% da população nacional, dependem direta ou indiretamente desses ambientes.
Mesmo com todos os números a seu favor, os corais estão na berlinda. A Rede Global de Monitoramento de Recifes de Coral, grupo de governos, ONGs e pesquisadores sediado em Townsville (Austrália), estima que um quarto dos recifes mundiais esteja perdido. A entidade também aposta que, se a destruição continuar, até 40% dos recifes mundiais desapareçam do mapa nos próximos três anos. Seria uma tragédia. Não só para essas belas formações naturais, mas também para 500 milhões de pessoas no planeta que dependem desses jardins marinhos para trabalhar ou se alimentar.
Só no BrasilOs bancos de recifes nacionais são as únicas formações desse tipo em todo o Atlântico Sul. Esses aglomerados de corais pontilham quase 3 mil quilômetros de águas rasas, quentes e limpas, entre o Maranhão e o sul da Bahia (mapa ao lado). Com 15 espécies no catálogo, o Brasil não é dos mais ricos em corais. O Caribe registra cerca de uma centena deles, enquanto regiões do Pacífico esbanjam até 400 tipos diferentes. No entanto, por aqui a taxa de endemismos (espécies únicas) é grande.
Dos corais nativos, quase uma dezena só existe na costa brasileira. Além disso, esses animais têm caprichado em construir belas e atrativas formas, como os chapeirões, grandes colunas em forma de cogumelo que se projetam do fundo do mar. Os mais antigos podem chegar a 25 metros de altura e cobrir, já na superfície do mar, uma área com cerca de 50 metros quadrados. “Os chapeirões são formados justamente pelas espécies endêmicas”, diz Ana Paula Prates, coordenadora do Núcleo da Zona Costeira e Marinha do Ministério do Meio Ambiente.
No Brasil há dez áreas protegidas com recifes – metade delas é federal, quatro são estaduais e há uma municipal (confira lista abaixo). Juntas, somam 511 mil hectares, mas 308,6 mil hectares (cerca de 60%) estão dentro de Reservas Extrativistas e Áreas de Proteção Ambiental, reservas que não trazem muitas restrições ao uso e a presença humanas.
Documentos governistas afirmam que a visitação às reservas marinhas é vista como “principal alternativa para a auto-sustentabilidade dessas áreas”. No entanto, as condições são paupérrimas na maioria das reservas com recifes. Na região mais rica em corais do Atlântico Sul, o Parque Nacional de Abrolhos (BA) amarga a mais pura pindaíba.
A área protegida federal é carente de recursos e sofre com ataques constantes de produtores de camarão e da especulação imobiliária, sempre em busca de mais espaços lucrativos. O parque tem apenas quatro servidores e sua principal embarcação está fora de combate há quase dois anos. Além disso, seus 91,3 mil hectares cobrem pouco mais de 1% de toda a área de corais da região, onde circulam espécies ameaçadas como a tartaruga marinha e a baleia jubarte.
(Por Aldem Bourscheidt,
O Eco, 08/04/2008)