Para cientistas, padrão de degradação da floresta mudou e fogo precisa ser monitorado tanto quanto o desmatamento
Instituto promete sistema que verifique extensão dos incêndios; cientista diz que fogo mais freqüente é efeito do aquecimento global
Governo e pesquisadores estão iniciando um esforço para mapear um tipo de dano à floresta amazônica que tem recebido menos atenção que o desmatamento, mas que pode ter se tornado um protagonista da devastação: o fogo.
Alberto Setzer, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que coordena o monitoramento de queimadas por satélite, afirma que em dois meses deve estar pronto um sistema para verificar a extensão dos incêndios na floresta. Hoje, é possível saber o número de focos de queimada, onde eles estão e quando ocorreram, mas não há como estimar o tamanho das áreas atingidas.
Segundo ele, a maioria das ocorrências na Amazônia são intencionais. "Hoje se percebe que o que realmente está sendo fundamental na degradação da floresta é o fogo", afirma.
O gerente do Programa de Monitoramento por Satélites do Inpe, Dalton Valeriano, diz que acaba de ser decidido cruzar os dados do sistema Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real) com os de queimadas. "Dessa forma, será possível fazer um indicador mais completo, que mostre a relação entre queimadas recorrentes e o desmatamento."
O governo do Mato Grosso desde janeiro vem contestando os dados do Deter. Para o Estado, áreas classificadas como desmatadas pelo sistema são locais onde a floresta foi degradada há oito anos ou mais.
O Deter engloba os pontos degradados na conta da devastação porque, para o sistema, as áreas nas quais o sinal espectral (luz que o satélite capta) de solo é maior que o de vegetação já não funcionam como floresta.
Para o Inpe, o padrão de degradação mudou na Amazônia: áreas de floresta em pé vêm sendo queimadas ano após ano, mas isso aparece tarde demais nos dados do Deter. Uma nova ferramenta é necessária, avaliam os pesquisadores, para flagrar esse processo em curso.
Aquecimento global
O ecólogo Daniel Nepstad, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e do Woods Hole Research Center, afirma que muitas vezes a área de floresta queimada é maior que a desmatada. Ele cita em artigo um exemplo de 1998, ano em que houve uma seca extrema e 39 mil km2 pegaram fogo -duas vezes a área de floresta cortada naquele ano.
Para ele, o aumento da área queimada já é um reflexo do aquecimento global: altas temperaturas e ventos mais fortes, aliados à seca prolongada.
Nepstad notou o problema de forma marcante no segundo semestre de 2007, durante uma queimada experimental -realizada há cinco anos numa fazenda em Mato Grosso.
O fogo, que normalmente levava cinco dias para queimar os 50 hectares da área do experimento, fez o serviço em dois.
De acordo com ele, é comum nascer capim -altamente inflamável- nas áreas que tiveram incêndio, o que aumenta os riscos de novos focos. "É um ciclo vicioso", diz.
Na opinião de Valeriano, as queimadas são reflexo da exploração de madeira e não do aquecimento global. "A floresta fica mais aberta, entra mais sol e o material seca."
Segundo ele, nos sobrevôos realizados recentemente na Amazônia para verificar desmatamentos, notou-se muitas áreas carbonizadas.
Edição especial
A Amazônia é o tema de uma edição especial da revista "Philosophical Transactions of the Royal Society, B". A publicação foi baseada numa conferência realizada há um ano em Oxford, Reino Unido.
Alguns dos artigos abordam a seca, fator de risco para as queimadas. Um dos textos, de pesquisadores do Inpe, explica que a seca-recorde de 2005 ocorreu pelo aumento da temperatura no oceano Atlântico (e não em razão do fenômeno El Niño).
Como o aquecimento do oceano é visto como tendência do aquecimento global, esse tipo de seca pode ficar mais comum na região.
(Afra Balazina, Folha de São Paulo, 09/04/2008)