A partir de 1959, quando foi elaborado o Tratado da Antártica, diversos países, entre eles o Brasil, passaram a desenvolver pesquisas científicas naquele continente. Entre os objetivos das nações está a ampliação do conhecimento acerca do ecossistema local, um dos mais preservados do planeta. Graças aos estudos do professor Flávio Dias Passos, do Instituto de Biologia (IB), a Unicamp pretende dar novas contribuições ao esforço do país em decifrar aspectos do ambiente antártico. Recém-chegado à Universidade, o docente almeja implantar um Laboratório de Malacologia no IB que serviria, entre outras atividades, para a execução de projetos relacionados à Antártica.
Docente ficou cinco meses no continente
O professor Flávio conhece bem o continente gelado. As pesquisas de campo para o seu doutorado foram realizadas lá. Ao todo, foram cinco meses de estadia na Estação Comandante Ferraz, mantida pelo Brasil. Ao cabo do trabalho, o especialista descreveu a biologia de um molusco já conhecido (Mysella charcoti) e descobriu uma nova espécie (Mysella narchii). O animal recebeu esta denominação em homenagem ao professor da USP Walter Narchi, falecido recentemente e que colaborou com os estudos. “Realizei esse trabalho com meu ex-orientador, o professor Osmar Domaneschi, também da USP”, afirma o docente do IB.
Na Unicamp, prossegue o pesquisador, sua intenção é dar seqüência à identificação de moluscos, inclusive de outros grupos. As duas espécies estudadas por ele ao longo do doutorado são de bivalves, ou seja, apresentam a concha dividida em duas partes (as valvas), como a ostra ou a vieira. “Mas também tenho interesse em investigar os gastrópodes, que têm as conchas em formas de espiral, como os caracóis e caramujos”, adianta o professor Flávio. Mas por que é importante para a ciência brasileira decifrar aspectos desses pequenos animais? Conforme o docente do IB, esse tipo de conhecimento é valioso porque revela detalhes da fauna de uma determinada região, no caso a Antártica.
Os moluscos, explica o especialista, fazem parte de cadeias alimentares que envolvem inúmeras espécies. Ao estudá-los, a ciência obtém informações a respeito dessa relação e, por extensão, de parte do ecossistema em que estão inseridos. “Conhecendo melhor a Antártica, estamos conhecendo melhor o nosso planeta”, afirma o professor Flávio. Uma contribuição importante do trabalho realizado por ele refere-se a conhecimentos anatômicos básicos. “Para as espécies de Mysella, por exemplo, confunde-se o lado direito com o esquerdo. Isso ocorre principalmente porque a maioria das pesquisas se concentra somente na concha desses animais”, esclarece.
Ao investigar a parte mole de uma espécie de molusco bivalve, o pesquisador localiza onde ficam a boca e o ânus, o que possibilita a determinação do lado esquerdo e direito. “Por intermédio do estudo da parte mole, e em animais vivos, eu também tive condições de descrever a sua biologia, ou seja, relatar como se alimentam, se locomovem e se reproduzem”. Atualmente, o professor Flávio está vinculado a um projeto coordenado por uma pesquisadora do Rio de Janeiro, em colaboração com estrangeiros, que pretende comparar os moluscos de diversas regiões da Antártica. “Assim, poderemos analisar as eventuais semelhanças e diferenças entre eles e descobrir mais espécies novas”.
Um dos anseios do professor Flávio é implantar no IB um Laboratório de Malacologia para o estudo de espécies tanto da Antártica quanto do Brasil. “Evidentemente, isso dependerá de uma série de circunstâncias, inclusive da disponibilidade de recursos. Entretanto, não custa sonhar”, diz. Outro plano do docente é trazer para a Unicamp parte do material coletado por ele no continente gelado. “Minha intenção é disponibilizar o material tanto para a pesquisa quanto para a visitação do público”, adianta. De acordo com o professor Flávio, as pesquisas que executou na Antártica só foram possíveis graças ao apoio da Marinha e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Cientistas brasileiros foram para o continente em 1982
O Brasil aderiu ao Tratado da Antártica em 1975. Entretanto, as pesquisas científicas nacionais só tiveram início naquele continente a partir da instituição do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), criado em janeiro de 1982. Os estudos realizados na região são para fins pacíficos e prevêem cooperações internacionais. O Proantar é elaborado e implementado pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm). O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio do CNPq, responsabiliza-se pela seleção e acompanhamento das atividades científicas do programa. O apoio logístico aos projetos de pesquisa é dado pela Marinha e Aeronáutica.
(Por Manuel Alves Filho, Jornal da Unicamp, 08/04/2008)