Trinta e cinco entidades publicaram uma nota repudiando a postura do governo federal diante do reconhecimento de terras quilombolas no Espírito Santo e em todo o País. Elas defendem o Decreto 4.887/2007, que visa a reconhecer as terras tradicionais, e denunciam mudanças na Instrução Normativa 20/2005, do Incra, que torna o processo mais burocratizado e moroso.
Segundo a nota, este ano completam-se 20 anos do reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas à propriedade de suas terras, entretanto, até fevereiro de 2008, apenas 82 territórios quilombolas encontravam titulados em todo o País.
Em julho do ano passado, quarenta anos depois de serem expulsos pela Aracruz Celulose de suas terras, cerca de 500 descendentes de escravos negros do norte capixaba conseguiram reocupar a região de Linharinho, em Conceição da Barra, criando o primeiro assentamento quilombola no Espírito Santo. Desde então, pouco mudou. Não cessam as reclamações de morosidade e de omissão dos governos federal e estadual.
A região de Linharinho já foi reconhecida em julho de 2007 como território quilombola, em pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), segundo portaria divulgada apelo próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas até agora não foi demarcado.
Na ocasião da ocupação, os quilombolas foram chamados de baderneiros e foram enfrentados com truculência pela milícia armada da Aracruz Celulose, a Visel, sem nenhuma providência das autoridades.
Fatos como estes também são repudiados na nota. O documento aponta que as titulações são acompanhadas de protestos e acusações do setor ruralista, de transnacionais e de parlamentares da base aliada do governo, amplamente divulgadas pela grande imprensa.
As pesquisas já realizadas confirmam que os quilombolas têm direito a um território de aproximadamente 50 mil hectares no Espírito Santo. Suas terras estão ocupadas por empresas, principalmente pela Aracruz Celulose, e usineiros de cana, mas também por fazendeiros.
No Espírito Santo, o Incra está titulando territórios quilombolas no Sapê do Norte, formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Também em processo, a titulação de território em Santa Leopoldina, região serrana do Estado. Todos enfrentam grande pressão para continuarem parados na Justiça, como denunciam os quilombolas.
As comunidades cobram agilidade e as entidades que apóiam a devolução das terras para seus verdadeiros donos, ressaltam que as mudanças nas leias como a IN 20/25005 representam um retrocesso a todo processo de reconquista das terras quilombolas e a garantia dos direitos quilombolas reconhecidos na Constituição Federal, na Convenção 169 da OIT e no Decreto 4.887/2003.
O trabalho de identificação dos territórios quilombolas no Estado é coordenado pelo Comitê Gestor do Projeto Territórios Quilombolas do Espírito Santo, coordenado pelo Incra, com a participação de representantes da Ufes, do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública e da Fase, além de organizações que representam os negros no campo e na cidade.
O trabalho de "identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos" é obrigatório e deve ser realizado por determinação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; do Decreto n. 4887 de 20/11/2003; e da Instrução Normativa n. 16/2004.
Os territórios ocupados por população tradicional negra têm de ser demarcados e devolvidos aos quilombolas, para cumprimento da legislação, tarefa de responsabilidade ao Incra.
Assinam a nota: o Balcão de Direitos Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes); Action Aid; Articulação Regional de Mulheres Negras Quilombolas do Médio-Mearim; Associação Brasileira de ONGs (Abong); Associação da Comunidade Quilombola de Jacarei dos Pretos; Associação de Moradores do Quilombo Santa Maria dos Pretos; Associação de Moradores do Quilombo Bom Jesus dos Pretos; Associação de Moradores do Quilombo Frechal; Associação de Moradores do Quilombo Santa Rosa dos Pretos; Associação de Moradores do Quilombo Santo Antonio dos Pretos; Associação Rural de Moradores do Quilombo Jamary dos Pretos; Balcão de Direitos da Universidade Federal do Espírito Santo; Centro de Conscientização Negra de Pedreiras; Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN-MA); Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes); Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa); Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil); Centro pelo Direito à moradia contra Despejos (Conhre) e Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF).
(Por Flávia Bernardes,
Século Diário, 08/04/2008)