Como transportar de maneira segura e eficiente o lixo radioativo resultante de tratamentos de radioterapia pelo interior de um hospital? E como um cego poderia se orientar usando uma bússola ou saber quando seu copo já está cheio de líquido? Necessidades como essas se tornam desafios para os alunos da Escola Politécnica (Poli) da USP, que buscam soluções para problemas específicos de comunidades e organizações, dentro das várias modalidades de engenharia. Desde 2004, essas iniciativas são agregadas no Poli Cidadã, um programa que busca incentivar o conceito da responsabilidade social nos projetos desenvolvidos pelos alunos da escola.
“O Poli Cidadã nasceu focado em motivar os estudantes que estavam se formando a desenvolver projetos que pudessem colaborar com algum organismo ou comunidade”, explica o professor Antônio Luis de Campos Mariani, coordenador do projeto. Com o passar do tempo, o programa passou também a agregar trabalhos de disciplinas, de iniciação científica e até mesmo voluntariado. “Havia professores que já estavam preocupados em adotar temas socialmente favoráveis, e o Poli Cidadã acabou se tornando um canal de divulgação e estímulo para todos. Formou-se uma cadeia, uma coisa puxando a outra”, lembra o docente.
As entidades e associações são convidadas a cadastrar seus temas e necessidades em um banco de dados do projeto. Esses temas são então adotados pelos alunos interessados, que passam a trabalhar em cima deles. Para o Hospital do Câncer de Barretos, que descreveu o problema do transporte de material radioativo, foi desenvolvido um carrinho específico, com isolamento para aquele tipo de material e um tamanho adequado para passar pelos corredores do local. Os problemas com cegos, levantados pela Fundação Dorina Nowill, foram resolvidos da seguinte forma: a bússola ganhou uma adaptação para os deficientes visuais, sinalizando com um som específico quando a direção Norte é apontada; para a questão do copo, foi criado um medidor de volume em forma de caneta que, quando colocado no recipiente, vibra assim que o recipiente líquido alcança a medida desejada.
Canuanã
Os projetos descritos acima são os do tipo extensivos, geralmente vinculados a um trabalho de conclusão de curso. Mas há também os intensivos, em que os alunos entram em contato, por um curto período de tempo, com a realidade de comunidades carentes espalhadas pelo Brasil, mapeiam as problemáticas locais e definem algumas propostas para solucioná-las. Essas viagens geralmente encontram apoio em parcerias com outras instituições, como a Fundação Bradesco e o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Foi o caso da visita que cinco alunos da Poli fizeram a Tocantins em 2007, na comunidade de Canuanã.
A localidade, situada próxima à ilha do Bananal, conta com uma população composta por assentados e indígenas. “Canuanã têm problemas relacionados com a contaminação da água, a geração de renda, o descarte do lixo, saúde e cultura”, relembra Douglas Lauria, professor que liderou o grupo. Na área da saúde, por exemplo, percebeu-se que a aldeia não possuía um banco de dados dos seus pacientes. “Eles tinham uma espécie de livro de atas, em que simplesmente se anotavam os eventos, como a ida de uma pessoa ao posto médico. Se o fulano voltava duas semanas depois, anotava-se de novo, como um evento separado. Não havia um acompanhamento do histórico do doente”, conta Lauria. A informatização do atendimento médico foi feita com o auxílio de um centro de inclusão digital já existente no local.
Formar cidadãos
Tais vivências, ressalta o professor Mariani, fazem do Poli Cidadã uma experiência que contribui não apenas para formar melhores profissionais, como também cidadãos, tendo em vista a integração do aluno em projetos de caráter social e ligados a áreas mais carentes. “Não é um projeto só para ajudar a sociedade. Lógico que nos queremos que cada projeto desses traga uma pequena contribuição, mas tão importante quanto isso é a contribuição que acontece na formação de cada aluno: que eles reconheçam os problemas do País, e que suas almas cresçam em sensibilidade social”, afirma.
(Por Francisco Angelo, especial para o USP Online, 02/04/2008)