Desmatamento volta a crescer na Amazônia em época de chuvaMesmo após medidas do governo, sistema de monitoramento aponta alta em fevereiro de 13% em área devastada
Em fevereiro, primeiro mês das medidas anunciadas pelo governo federal para combater o atual repique da derrubada da floresta na Amazônia, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 725 km2 de desmatamento. É um número 13,4% mais alto do que o registrado em janeiro - 639 km2.
Os dois meses fazem parte do inverno amazônico, período de chuvas na região, quando é mais difícil a ação no campo. Mesmo assim, o valor é mais alto do que o registrado nos meses de agosto, setembro e outubro do ano passado, quando o clima estava mais seco - perde apenas para novembro e dezembro, quando houve o alerta no governo federal.
A maioria da área detectada, 88%, está em Mato Grosso. Mas isso não significa que ali tenha havido mais desmatamento do que em outros Estados amazônicos - o número pode ser ainda maior. "Havia muitas nuvens sobre o Pará e Rondônia", explica o diretor do Inpe, Gilberto Câmara.
Esses dois Estados costumam também apresentar taxas significativas de desmate, mas ficaram escondidos dos olhos do satélite pelas nuvens. Somente 12,5 km2 de desmatamento foram registrados no Pará em fevereiro e 9,6 km2, em Rondônia. Já em Roraima, Estado normalmente com pouco corte florestal, mas menos coberto por nuvens em fevereiro, foram detectados 51,7km2 de vegetação alterada.
As informações foram coletadas pelo Sistema de Detecção em Tempo Real (Deter), usado para alertar as autoridades sobre grandes alterações na cobertura florestal - corte raso, quando toda a vegetação é suprimida, ou degradação - a fim de agilizar a fiscalização. Sua metodologia tem sido questionada pelo governo mato-grossense.
"Os dados do Deter de fevereiro mostram, por exemplo, duas áreas no município de Feliz Natal que teriam sido desmatadas, uma de 3 mil e outra de 4 mil hectares. Num sobrevôo, vimos que se trata de degradação progressiva", afirma Salatiel Araújo, secretário-adjunto de Qualidade Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso. O órgão não computa degradação como desmate.
CRESCIMENTO
O Deter não é o sistema ideal para medir a área desmatada, porém é usado pelo governo federal, desde 2005, como indicativo de tendência. Foram dados do Deter do segundo semestre de 2007 que deflagraram, neste ano, a operação Arco de Fogo de combate à derrubada ilegal; o recadastramento de terras em 36 municípios críticos; e a publicação de uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre crédito rural (leia mais no texto abaixo).
Para o diretor-adjunto da ONG Amigos da Terra, Mario Menezes, os dados confirmam a tendência de crescimento do desmatamento em 2008, alimentado pelo setor agropecuário aquecido e pela proximidade das eleições municipais. "Esse processo não pára de forma abrupta. A ação do governo não dá uma resposta imediata", afirma. "Você pressiona de um lado, em um município ou Estado, e há vazamento do desmatamento para outro."
Menezes acha difícil que o desmatamento seja controlado neste ano e critica as medidas anunciadas pelo governo. "A resolução do CMN, por exemplo, não tem efeito prático."
O pesquisador Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), acredita que a tendência demonstrada pelo Deter será confirmado depois pelo sistema oficial, o Prodes. "Temos cerca de 1.300 km2 derrubados apenas nos dois primeiros meses do ano. E, como o Deter só pega desmatamentos grandes, acima de 25 hectares, normalmente o sistema não superestima (a área desmatada) mas subestima."
O Deter não gerou dados nos primeiro meses de 2007, o que impossibilita a comparação direta. Mas Veríssimo acredita que, mesmo assim, os valores deste ano merecem atenção. "Esse número mantém a taxa de corte muito elevada, para um período normalmente com taxa baixa", diz Veríssimo. O Imazon mantém um sistema de detecção de desmatamento em Mato Grosso em Pará. Os dados do primeiro trimestre ainda não foram divulgados.
O governo federal teme que, se a tendência mostrada pelo Deter se confirmar, a área desmatada confirmada no fim do ano pelo sistema Prodes mostrará uma curva ascendente após três anos consecutivos de queda.
Cristina Amorim
Medidas exigem prazo maior, diz MMAPara secretário, dado deve ser avaliado com cuidado, mas confirma pressão
O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, afirma que as medidas divulgadas pelo governo federal para coibir o desmatamento na Amazônia exigem um prazo maior do que um ou dois meses para se tornarem de fato eficazes. 'Elas estão surtindo efeito em algumas regiões, mas não apresentam a amplitude que a situação exige porque não são de resposta imediata', afirma. 'Há uma ação clara de desmatamento em curso, mas não conseguimos mensurá-la ainda.'
Segundo ele, o desmatamento detectado pelo sistema Deter em janeiro e fevereiro deve ser interpretado com cuidado, devido às nuvens que dificultam a visualização da região nessa época. 'Mas eles confirmam que há um aumento da pressão inequivocamente', diz. 'Quem achava que os dados estavam errados pode mudar o discurso.'
Diante do aumento da área desmatada na Amazônia de agosto a dezembro de 2007, a primeira medida de combate anunciada pelo governo federal, em janeiro, foi a proibição de os bancos oficiais financiarem máquinas e plantio de safra das propriedades que tenham feito derrubada ilegal da floresta. O crédito para proprietários rurais ficou mais difícil também, exigindo um número maior de documentos e comprovações.
Fazendas envolvidas em crime ambiental passariam a ser multadas, bloqueadas e proibidas de realizar qualquer atividade comercial. Quem comprasse ou transportasse material de quem derrubou teria de responder criminalmente pelo ato.
Outra medida, anunciada há um mês, foi o recadastramento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de 80 mil propriedades rurais localizadas nos 36 municípios com maiores taxas de desmatamento.
Capobianco acredita que as ações conseguirão impedir que a taxa anual de desmatamento de 2008 seja mais alta do que de 2007, apesar do tempo estendido necessário para que essas ações surtam efeito. 'As medidas vão afetar a cadeia produtiva. O efeito será mais expressivo no próximo ano-safra, que começa em julho', diz.
ALGUMAS AÇÕESRecadastramento: Nos 36 municípios com maiores taxas de desmatamento, as terras serão novamente recadastradas pelo Incra
Crédito: Bancos oficiais ficam proibidos de financiar máquinas e plantio de safra das propriedades que tenham feito derrubada ilegal da floresta
Portaria: São identificadas 80 mil propriedades rurais nos 36 municípios que mais desmataram na região
Arrastão policial: Política Federal envia para locais estratégicos centenas de policiais
Critérios: Concessão para crédito rural para financiar o agronegócio dos grandes produtores e dos agricultores dos assentamentos rurais fica mais exigente
Embargo: Propriedades de terra que tiveram áreas desmatadas ilegalmente serão embargadas impedidas de realizar qualquer tipo de atividade econômica
Governo de Mato Grosso contesta dados do InpeO governo de Mato Grosso afirma que 89,98% do desmatamento apontado pelo sistema Deter entre outubro e dezembro do ano passado não aconteceu. Segundo um relatório preparado pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado, a grande maioria da área que teria sido derrubada é formada por locais que sofrem um processo de degradação progressiva ao longo de anos, com corte seletivo e queimada, por exemplo, mas que não sofreram a supressão total de árvores - o corte raso.
O governo federal registrou alteração em 1.786 km2 de floresta em Mato Grosso nesse período. O relatório indica que 17% não aconteceu de fato - a floresta está intacta, sem degradação ou corte raso -, de acordo com análises em campo conduzidas por técnicos de Mato Grosso.
'Visitamos 662 pontos e há uma dinâmica de degradação progressiva que começou a oito, nove anos. Não aconteceu no fim do ano passado, como foi apresentado', afirma o secretário-adjunto de Qualidade Ambiental da secretaria, Salatiel Araújo. 'O Deter não era usado para estimar área de desmatamento. É uma situação danosa para o Estado, que tenta trabalhar com o setor produtivo.'
Os dados foram apresentados na semana passada ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelo Deter. Segundo o diretor do instituto, Gilberto Câmara, os 17% apontados pelo relatório serão checados, mas ele diz que áreas degradadas sempre foram computadas pelo sistema e continuarão sendo. 'A despeito da discussão conceitual sobre o que é ou não é desmatamento, o padrão de exploração que está sendo usado não deixa a floresta em pé', diz Câmara.
(O Estado de S. Paulo,
FGV, 03/04/2008)