Pelo menos 60 índios contrários à permanência dos produtores de arroz na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, ameaçam entrar em confronto com os moradores de uma vila dentro da reserva e até com outros índios, que trabalham nas plantações e são contrários à retirada dos rizicultores.
Nesta terça, mais duas pontes que dão acesso à Vila Surumu - próxima da que foi queimada no protesto de segunda -, foram interditadas por caminhões e tratores de produtores. Devido ao bloqueio, o governo do estado suspendeu a entrega de merenda escolar na reserva indígena.
Quinze mil índios vivem na reserva, que foi homologada em 2005. Mas os produtores de arroz, que ocupam as terras há mais de 30 anos, se recusam a sair. Eles entraram com ações na Justiça e não aceitaram a proposta do Incra de se mudarem para outras áreas. Agora a Polícia Federal recebeu ordens de retirar todos os que não forem índios da reserva.
- A nossa presença aqui é para garantir a paz e não incitar ou tentar tumultuar o processo - afirma o delegado da PF Fernando Romeiro.
"A nossa presença aqui é para garantir a paz e não incitar ou tentar tumultuar o processo"
Na segunda-feira, o presidente da Associação dos Rizicultores, Paulo Cesar Quartieiro, chegou a ser preso por agentes federais. Prefeito de Pacaraima (RR), Quartiero é o maior plantador de arroz na região e se recusa a deixar a área. Ele foi preso em flagrante por agentes da PF ao atear fogo numa ponte que dá acesso ao interior da reserva, próximo da terra indígena Surumu. Quartiero foi detido acusado de dano ao patrimônio público e também por desacato à autoridade policial. Dezenas de agentes da Polícia Federal estão em Roraima e entraram em confronto com índios. Após pagar fiança de R$ 500, foi liberado. Ele deixou a sede da PF em Boa Vista numa carreata, que festejou sua liberdade.
Ao sair da PF, o arrozeiro discursou em frente ao prédio da corporação.
- Não vou me render para essa conspiração internacional que quer tomar a Amazônia do Brasil - disse ele.
A Polícia Federal não descarta pedir à Justiça Federal a prisão temporária de Quartiero. O objetivo é impedir que o líder arrozeiro, que tem feito ameaças de reagir com violência aos policiais federais que tentarem retirá-lo da área, atrapalhe as ações da Operação Upatakon 3, que terá início na semana que vem. O governo pretende retirar todos os não-índios da reserva. O coordenador da operação, o delegado Fernando Segovia, da Polícia Federal, disse nesta terça-feira que o pedido teria como base as seguidas ameaças de Quartiero, que já declarou até a possibilidade de contratar pistoleiros para um possível confronto com agentes da PF.
- O que Quartiero está fazendo é incitação, além de grave ameaça. Pode levar até à morte de alguém. Ir à Justiça é até nosso dever - disse Fernando Segovia
A operação para retirada dos arrozeiros estava prevista para ocorrer semana que vem, mas com a reação de Quartiero, que tem sob seu comando também um grupo de índios contrários à demarcação da reserva, a ação federal pôde ser antecipada. Ele era o principal alvo da operação.
"O que Quartiero está fazendo é incitação, além de grave ameaça"
Moradores das vilas próximas e índios contrários à retirada dos arrozeiros impediram a entrada dos policiais com paus, pedras e flechas. Também invadiram a escola da vila, onde seria instalada a base de trabalho da PF. O filho de Quartiero, Renato Quartiero, foi ferido pela explosão de uma bomba caseira, confeccionada pelos próprios manifestantes.
Segundo José Negreiros, assessor de imprensa da PF em Roraima, Quartiero foi indiciado por desacato a autoridade, desobediência, incitação à desordem e bloqueio de via federal - crimes afiançáveis, o que permitiria a sua liberação, após o interrogatório. O advogado dele, Valdemar Albrecht, negou as acusações e disse ser ilegal a operação da PF, batizada de Upatakon.
- Não há ordem judicial, e ações contra a homologação estão tramitando no Supremo Tribunal Federal - disse.
Quartiero havia sido afastado do cargo de prefeito pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, que, além da cassação, o considerou inelegível por três anos e o condenou ao pagamento de multa no valor de 30 mil Ufir (cerca de R$ 32 mil). Mas o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reformou a decisão, na noite de 25 de março, por unanimidade.
Quartiero foi acusado pela chapa adversária e pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), de abuso do poder econômico e compra de votos na campanha eleitoral de 2004. Teria, inclusive, realizado convênio para plantações de arroz em terras indígenas, em março daquele ano, antes, portanto, da campanha, mas já com o sentido de se beneficiar nas eleições para as quais desejava se candidatar.
(O Globo, 01/04/2008)