O governo do Peru anunciou para esta semana a criação do Ministério do Meio Ambiente por meio de um decreto, sem cumprir o passo prévio de um debate na sociedade civil, no parlamento e nas regiões. Além disso, será uma entidade sem capacidade de decisão em assuntos-chave. “A participação foi a grande ausente. Se o governo não estava disposto a ouvir, poderia ter sido mais direto e dizê-lo”, disse à IPS o gerente de Recursos Naturais e Gestão do Meio Ambiente da região Junín, Ivan Lanegra.
O ministro de Minas e Energia, Juan Valdivia, foi o encarregado de anunciar que o Conselho de Ministros havia decidido promulgar a norma que criará o novo ministério. O documento debatido no Executivo foi elaborado por um grupo técnico no tempo recorde de um mês sem recolher as opiniões das organizações sociais, dos governos regionais e do parlamento, apesar de não ter sido estabelecido um prazo adicional para isso. Por outro lado, não houve divulgação oficial do documento. Apenas de maneira informal alguns membros da equipe técnica liderada pelo ecologista Antonio Brack divulgara a proposta através de correio eletrônico.
“Que legitimidade pode ter este ministério, quando não se convocou todos os que teriam que opinar? O tema da gestão ambiental não é apenas dos ambientalistas, é um assunto nacional que requer consensos”, disse à IPS Javier Azpur, secretário-executivo da não-governamental Proposta Cidadã, que coordena a Coalizão da Sociedade Civil para a Criação do Ministério do Meio Ambiente. O presidente Alan García havia anunciado a intenção de criá-lo em 20 de dezembro de 2007, como ante-sala de duas reuniões internacionais que acontecerão este ano no país. O Peru será sede da V Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Europa, América Latina e do Caribe e também receberá o Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico.
A ministra de Comércio Exterior e Turismo, Mercedes Aráoz, revelou que o novo ministério não exercerá um trabalho fiscalizador da atividade mineira, embora este setor responda por 40% dos conflitos sociais que giram em torno de questões ambientais. Portanto, o Órgão de Supervisão e Fiscalização Ambiental proposto pela comissão encabeçada por Brack como parte do ministério “não veria um dos temas mais importantes dentro da agenda”, afirmou Lanegra.
O ministério tampouco teria autoridade sobre o manejo da água, embora por causa da mudança climática já se verifique escassez deste recurso, não existe um diagnóstico da situação das bacias hidrográficas e um dos principais motivos dos conflitos ambientais é o temor da contaminação. O governo preferiu que o Ministério da Agricultura assumisse esta tarefa, com a recente criação da Autoridade Nacional das Águas. Também supervisionará a exploração das florestas. O Serviço Nacional de Áreas Protegidas sugerido por Brack também poderia ficar fora das competências do novo ministério.
As críticas à iniciativa oficial destacam que a equipe técnica propõe que o ministério cuide apenas da avaliação de impacto ambiental dos grandes projetos de investimento em mineração e energia, sem precisar quais os parâmetros para determinar o que é um “grande projeto”. “Podemos concluir, então, que está se criando um ministério sem capacidade de decisão nos assuntos ambientais-chave e que apenas seria uma espécie de orientador-geral das políticas setoriais”, afirmou Lanegra. Brack não questiona as mudanças que o Executivo introduziu em seu projeto. Limita-se a assinalar que sua iniciativa buscava reduzir “os custos sociais e econômicos” para o país.
A secretária-executiva da não-governamental Rede Muqui, Ana Leyva, está convencida de que o governo de García não se esforçou para “aproximar a sociedade desta tentativa de mudar a institucionalidade ambiental”, apesar de a diversidade do país, nos planos cultural, social e geográfico assim exigir “com extrema urgência”. Tampouco se deu importância ao papel dos 26 governos regionais neste processo. Como um gesto para garantir a participação da sociedade, a comissão Brack sugeriu a criação de um Conselho de Pacto Ambiental, integrado por associações empresariais, as regiões, as municipalidades e representantes sociais. No entanto, esta proposta ainda está sendo avaliada pelo gabinete de ministros.
Está claro que o Executivo tem a intenção de aproveitar as faculdades que outorgadas pelo Congresso, dentro das negociações do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, para criar o ministério por meio de decreto. Dentro das atribuições dadas pelo Legislativo foi feita uma menção geral de que o Executivo deveria “fortalecer a institucionalidade ambiental”, mas não lhe deu carta branca para criar um ministério.
Os especialistas da área legal da Rede Muqui consideram que o governo cometeu uma ação ilegal e inconstitucional, já que pela Lei Orgânica do Poder Executivo um ministério só pode ser criado por lei. “Um tão transcendental para o país não pode ser aprovado sem antes ser debatido por todas as forças políticas”, disse à IPS a presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Deputados, Gloria Ramos.
A legisladora garantiu que pedirá ao presidente do parlamento que solicite uma reunião com o primeiro-ministro, Jorge del Castillo, para tratar do tema. Os membros da Coalizão da Sociedade Civil para a Criação do Ministério do Meio Ambiente também pediram uma entrevista com Castillo para hoje. “Neste contexto, é muito duvidoso que as reuniões que o Executivo tiver com membros da sociedade civil possam influir no processo. Apenas uma forte intervenção da opinião pública e dos presidentes regionais poderiam mudar a situação e obrigar a realização de uma consulta seria”, afirmou Lanegra.
(Por Milagros Salazar, IPS, Envolverde, 01/04/2008)